FALECEU NOSSA PRIMEIRA PRIMEIRA DAMA
O que segue é a noticia da morte da esposa do nosso primeiro INTENDENTE MUNICIPAL, o que
equivale a “prefeito” - administrador, na época que as Câmaras eram praticamente no
sistema parlamentar. Uma história triste
que abalou o recente município de São João do Curralinho (desmembrado de
Piracaia em 17/8/1895 e a primeira câmara e intendência empossados em
21/8/1896). O discurso é triste porém lindo e mantive o português da época. Era mãe da saudosa professora Adilia e do grande educador brasileiro Almeida Junior. Irmã de Bruna Caparica Filha.
Matéria p/o Munícipe – manuscrito de 08-11-1896
D. Otilia Caparica de Almeida
No dia 28 do
pretérito finou-se nesta vila, as 08 1/2 horas da noite, esta virtuosa filha do respeitável ancião sr. Anselmo
Gonçalves Caparica, e esposa do prestante cidadão Antonio Ferreira de Almeida, digno intendente municipal e
proprietário das oficinas tipográficas em que se publica esta folha.
A
jovem e distinta senhora, que apenas contava 21 anos, sucumbiu a uma síncope
cardíaca conseqüente a um parto laborioso, orfando a três inocentes crianças,
uma das quaes com algumas horas de vida, e enlutando o lar querido, os corações
de seus extremosos paes e a toda esta população que a estimava justamente.
Logo
que se divulgou a infausta noticia muitas pessoas, dolorosamente surpreendidas
pelo inesperado acontecimento e revelando a profunda mágoa de que todos estavam
possuídos acorreram à casa, onde ele se dera, testemunhando assim a verdadeira,
a respeitosa estima em que era por todos acatada – Dª Otilia.
Realmente,
foi sentidíssima sua morte, já porque ninguém a poderá esperar, já por ser a
ilustre extinta filha e esposa de cidadãos muito considerados entre nós.
Ao
seu saimento que teve logar no dia 29 as 4 horas da tarde, concorreram quasi
toda a população desta vila e muitos cavalheiros do nosso município. Foi um dos
enterros mais concorridos que se tem dado entre nós.
Dentre
o séquito muitas pessoas vestiam opas e quasi todas pegaram nas alças do
caixão, que eram disputadas vivamente pelos amigos e parentes. O rev. vigário
de Santo Antonio fez as cerimonias religiosas na igreja e no cemitério. Ali, ao
serem encerrados em seu último jazigo os restos mortaes da desditosa senhora,
foi lida pelo professor público desta localidade o discurso que abaixo
transcrevemos e que foi ouvido com o maior silêncio pelos circunstantes.
Sabemos
que, em sinal de grande pesar pelo falecimento de Dª Otilia, suspendeu-se a
aula pública no dia 29, e que em sessão do dia 31 e por indicação do sr.
vereador Domingos Nogueira, a Câmara Municipal, resolveu mandar inserir em uma
ata um voto de profundo pesar por tão
triste passamento e enviar um oficio de suas condolências a seu colega sr.
Antonio Ferreira de Almeida, tão rijamente ferido por esse golpe.
Também
sabemos que no dia 09, as 08 horas será rezada aqui uma missa pelo descanso
eterno de Dª Otilia.
Eis
o discurso a que acima nos referimos:
Senhores!
Fatalidade atroz que a mente esmaga. Tristíssima contingência esta que eterna, incessantemente nos fere e
nos enluta. Suprema, inexorável lei, a que não há fuga, mais fria do que a
lamina dum punhal, mais fera do que uma hyena faminta, mais destruidora do que
a erupção dos vulcões. Morte, serás a vida? Porque te coube na partilha dos
destinos a missão terrível, abominável de estrangular as existências? Quem te
confiou, oh anjo negro da destruição, o
poder nefasto e cruel de gelar
nos corações a seiva da vida, de selar com teu stygma de imobilidade um
turbilhão de vida estuante.
Parca
do aniquilamento, cujas azas fatídicas e negras pousam nesta hora sobre o
esquife recém fechado, como a repugnante larva sobre uma flor, não te condóes
de ceifares com teu alvião sedento uma vida feliz, apenas no seu arrebol!
Não
te comovem no teu contínuo mister de devastação o luto que espalhas, a dor que
aprofundas, a orfandade que semeias, em derredor de tuas vítimas inermes?
Senhores
– Eis aqui na muda expressão deste ataúde, que contemplamos no recolhimento do
silencio, a incógnita do problema irredutível: a vida e a morte! To be or no to
be, eis o dilema, indecifrável ante o qual a sciencia humana, com toda a sua
vaidade, capitula impotente. Eis aqui a história interminável da humanidade de
ontem, de hoje e de amanhã.
A
vida é uma ponte suspensa no espaço, entre dous
pontos extremos: o berço e o túmulo; um berço da vida, outro berço da
morte. Ainda mesmo que não no-lo afiz
Mas
senhores, não pode se limitar a isto apenas, a este ser e não ser – a vida
toda. Há, mercê do Onisciente
Creador deste Universo alguma cousa intangível, imorredoura e superior
que escapa a essa lei suprema da morte. Mas se a ti, único reduto inexpugnável
que possuímos em meio ao vendaval dos sofrimentos, bastaria a razão, calma e
indagadora para nos dizer a consciência. Sim, a vida não termina, ali naquele
jazigo, estreito demais para contel-a, extende-se além pelo infinito, muito
além, nos páramos ilimitados do éter!
A
alma, imperecível, imigra para
verdadeira pátria, é andorinha forasteira que, passado o inverno extenue o vôo
em busca das plagas saudosas do seu país. É o país das almas boas, formadas de
virtudes e de bençans, como a que anunciou aqueles despojos respeitados, é a
pátria do amor puríssimo, da perene hyperbole de luz é a límpida mansão dos
justos, em que ela, dona Otilia, ora sorri no inefável gozo da suprema ventura!
Foi
um anjo, senhores, anjo do lar querido,
que ela encheu de encantos e de amor, estrema de carinhos, cheia de acrisoladas
virtudes que, soltando as azas, partiu em demanda das plagas cérulas, deixando,
lá muito ao longe, bem distante, saudosíssimos e acabrunhados de dores, o
esposo amado e fiel, os pais extremosíssimos e queridos, filhinhos inocentes e
adorados – aves ainda implumes, que careciam do seu calor; e irmãos
estremecidos, irmãos pelo sangue e pelo coração, que, todos prantearam
desolados este prematuro acontecimento que lhes arrebatou de improviso, com
aquelas 21 primaveras de vida, a esposa, a filha, a mãe, a irmã.
Permitis,
que eu repita como Castro Alves: Fatalidade atroz que a (...)
E
nós senhores, que aqui viemos prestar à virtuosa senhora as nossas últimas e
tristes homenagens, ante a majestade do túmulo que se vae fechar sobre seu
cadáver, dizemos:
Silencio
que ela está dormindo no seio da Divindade, embalada pelos cânticos celestes,
iluminada pelos reflexos puríssimos de suas próprias virtudes!
(foto de dona Otilia Caparica) (foto2 - Adilia F. Almeida e seu irmão Almeida Junior)
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