O CORPO SECO
Zeca
Honório era uma cria ruim, pior que carne de pescoço, com ele ninguém
lidava. Quando criança contava-se que fazia todo tipo de maldade,
tanto com animais quanto com pessoas. Sua mãe dona Assunta, era uma coitada,
viúva, com cinco filhos, tinha no caçula o tal do Zeca a personificação da
ruindade. Porém, Zeca cresceu e casou-se
com Maria Inocência, uma pobre e ignorante mulher que morreu dois anos depois,
num formidável pontapé na barriga prenhe que o marido desferiu num de seus
ataques de cólera. Morta a mulher, voltou a residir com a sofrida mãe, a qual
como sempre socorria o Zequinha, todavia, suas crises e ruindades aumentavam,
até que um dia por qualquer motivo, chegava a espancar a pobre velha,
proferindo uma série de blasfêmias aos céus. Dona Assunta de desgosto morreu
logo e passado um ano o tal do Zeca, aos quarenta e imprestáveis anos foi
fulminado por um ataque cardíaco.
Passado
alguns meses, diziam que o coveiro teve que enterrar de novo o Zeca Honório,
pois misteriosamente o corpo estava exposto e o que é pior intacto. Passou um
ano, a terra rachou e para surpresa do coveiro o corpo outra vez subira a
superfície, apesar das roupas corroídas
o corpo estava inteiro e os cabelos e as unhas tinham crescido.
O
coveiro, muito esperto, entendeu que Zeca Honório pelo fato de ter batido na
mãe e outras maldades mais, virara Corpo Seco, o qual tanto a terra, quanto os
vermes o repudiavam.
Escondeu
o corpo em outra cova e ladino como ele só, contou o caso a uma benzedeira e
esta informou que para acabar com a maldição seria necessário a mãe ou madrinha
de batismo do defunto dar uma surra com vara benta no dito cujo. Como ambas eram
falecidas, tornava-se impossível acabar com a maldição, todavia, seria
necessário enviar o corpo para Pico do Selado, onde as almas penadas pagam
penitência.
Na primeira tempestade noturna que se formou, o
coveiro, a benzedeira e mais um ajudante pegaram uma rede, passaram uma taquara
(bangüê), recolheram o corpo e foram para a igreja, lá passaram um conto no
vigário, ou seja, informaram que era uma mulher que tinha falecido de doença
contagiosa e necessitava ser enterrada o quanto antes, o padre, já de idade
avançada, cansado, meio míope, ao clarão de vela, mal olhou o cadáver e começou
a encomendar o corpo. Conforme rezava, o vento assobiava forte, raios e trovões
pareciam aumentar a cada instante; a cada sinal da cruz um raio iluminava e
estremecia a igreja. Terminada a reza, o trio dirigiu-se para fora e deixaram o
corpo no chão e este sacudido pelo forte vento começou a balançar, a flutuar
num sobe e desce tétrico e horripilante. Os três mal respiravam e com os olhos
arregalados, viram o corpo se desvencilhar da rede, os cabelos esvoaçantes, os
clarões dos relâmpagos e de repente um estouro (buummm!) e num clarão faiscante
o corpo foi em direção ao Pico do Selado, deixando um rastro vermelho no céu.
Assim
termina a história de Zeca Honório, cuja alma como tantas outras, segundo o
nosso folclore, está aprisionado no Pico do Selado, local este que foi muito
temido até décadas atrás, deste local se ouviam as mais variadas histórias,
possíveis e impossíveis. (Valter
Cassalho)
Trovas do Morro
No morro do
segredo,
Numa mata de
arvoredo
Há o grande
rochedo
que a todos
mete medo.
Falam das
almas penadas,
que para lá
foram seladas,
Urram e passam
atreladas,
Em noites
frias estreladas.
E' espirito do homem pagão
Que morreu sem
extrema-unção,
Foi errante,
maldoso, ladrão.
Avarento até
no pão.
Nem a terra
quer o corpo,
Não tá vivo,
nem tá morto,
Fedorento como
um porco,
Fica seco no
seu horto.
Quando vem a
ventania,
E levado na
agonia,
O vento forte
assobia,
Valei-me!
Ave-Maria!
Vai ficar
aprisionado,
Nas garras de
um diabo,
Sendo sempre
açoitado,
Lá no Pico do
Selado.
Na noite de
lua cheia,
O morro todo
clareia,
O morto-vivo
passeia,
Pende o corpo,
cambaleia.
Ai meu Deus,
Ave-Maria!
O que é essa
gritaria?
São as almas
da morraria,
Que te
fazem zombaria.
A história é
verdadeira,
Contada por
derradeira
E mais velha
rezadeira,
Da serra da
Mantiqueira.
Se fores muito
ousado,
Se fazendo
arrogado,
Então suba o
Selado,
E
pergunte ao penado
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