sábado, 1 de novembro de 2014



COMO SE MORRIA EM JOANÓPOLIS


Joanópolis fundada oficialmente em 1878, mas com menção de sua existência como extenso bairro desde 1830, teve seu primeiro cemitério regulamentado somente em maio de 1893, anterior a esta data,  os mortos eram conduzidos até a sede do município (Piracaia).  Podia parecer pouca distância quando pensamos em trilhas ou somente na atual localização da cidade, mas tornava-se dificultoso  quando a morte acontecia em bairros distantes como o Bonfim, Pretos, Sertãozinho, Pinhalzinho e outros.  O Decreto Municipal nº 02 de 1897 regulamentava o cemitério com mais de 40 artigos sobre procedimentos, normas e restrições, entre eles destacam-se os artigos 11 e 12 os quais estipulavam sepultura com dois metros de profundidade em local especial para pessoas falecidas de doenças epidêmicas ou contagiosas. O prazo mínimo para enterramento era de vinte e quatro horas (salvo exceções) e permitia-se ainda  jogar sobre os cadáveres vinagre, cal ou quaisquer outras substancias que facilitassem a decomposição.
Os caixões feitos em tábuas eram privilégios de famílias mais abastadas, bem como o transporte em carroças ou carros de boi; alguns carpinteiros passavam a noite no serrote e martelo confeccionando os ditos caixões, os quais eram forrados e enfeitados pelas mulheres, enquanto isso o corpo inerte aguardava sob uma mesa ou na própria cama. A grande maioria até meados deste século eram conduzidos no chamado bangüê, ou seja, um lençol traspassado por  um taquaruçu e levado nos ombros de dois fortes homens. Quando aparecia  pouca gente para o velório e respectivo enterro, competia ao inspetor de quarteirão convocar sob a força da lei homens para conduzir o corpo. Com a inauguração do cemitério a situação melhorou bem mais, porém o translado nos ombros ainda continuava a  ser penoso. 
A grande maioria morria nas casas, com uma vela acesa nas mãos e rezas ao redor, dando a segurança da luz divina para o novo mundo. Para todo morto sempre existiram bons cristãos, após expirar, o novo defunto deveria ser lavado, penteado e quando homem barba feita na navalha. Para facilitar o banho e a troca de roupas nada melhor do que um bom papo com o mesmo, pois acreditava-se que falando com o morto, ele ficava mais maleável.  Até meados dos anos 40, era comum o uso da mortalha, um pano roxo ou branco  enfeitados com galardoes e despontado nas pontas, nada de nós ou amarras para não prender o espirito. Para ficar com a  boca bem fechada amarrava-se uma tira de pano na mesma a qual deveria ser solta antes do enterro, alguns ficavam de olhos  abertos e nada os faziam fechar, exceto quando “viam” o derradeiro parente ou amigo, assim satisfeitos fechavam os mesmos sozinhos.  O corpo vestido, sob a mesa ou cama recebia flores (dálias, lírios, primaveras e as prediletas hortênsias E melindres).  No decorrer da noite o defunto poderia começar a inchar, a barriga a crescer, nada melhor do que uma chave em cima do peito para impedir que isso ocorresse, as vezes era necessário sacudi-lo um pouco, de leve, para ver se o pescoço estava enrijecido, pois pescoço mole era sinal de que algum da família morreria em breve.  Uma outra crendice no caso de morte matada (homicídio) era colocar uma moeda na boca do falecido, isso impedia  que o assassino conseguisse fugir, porém, existem relatos de almas que decorrido anos, voltaram para pedir que retirassem do cadáver a moeda, a qual impedia seu sereno descanso.
Um bom exemplo destas crenças foi muito bem interpretada em Morte e Vida Severina reapresentada pela Rede Globo, inclusive aparecem os irmãos das almas, convocados ou voluntários que auxiliam a carregar o bangüê, bem como os Cantos de Incelências.  Apesar de muitos destes costumes terem desaparecido, os defuntos ainda passam por vários rituais, simpatias e convenções  (banho, rezas, velas, posição, roupas, etc) para que parta em paz para sua nova morada.
A versão mais confortadora da morte que já ouvi neste mundo caboclo foi sobre morte de crianças, as quais eram vestidas de branco ou até de anjos,  sendo o velório bem curto, com a proibição do choro pelo  falecido, pois as lágrimas podiam molhar as asas dos anjos que vinham buscar o novo companheiro!

Valter Cassalho