quarta-feira, 15 de agosto de 2018

RITO DE CARPIÇÃO 15 DE AGOSTO

15 de AGOSTO - NOSSA SENHORA DO BOM SUCESSO
OS MISTERIOS DA CARPIÇÃO

O que faz este povo nestes dias de agosto junto a capela a carregar terras de um lado para outro?  São homens, são mulheres, gente simples do povo, devotos em sua fé, antigos em suas tradições, senhores de seus costumes. Sol quente de agosto, vão para lá e para cá e carregam terras de um lado para outro, com respeito, seguras no lenço, em papeis  ou com amor nas palmas das mãos; a depositam com carinho do outro lado de uma capela. Capela do sitio, da roça, capelinha branca da serra, pra nossa senhora, senhora do Bom Sucesso.

Isto é a CARPIÇÃO, ritual praticado na primeira segunda-feira do mês de agosto e repetida no dia 15 do mesmo mês. O ritual consiste em carregar  (por três vezes) em um papel, pano ou mesmo nas mãos um pouco de terra próximo a igreja dedicada a Nª Sª do Bom Sucesso e depositá-la do outro lado da mesma. Muitos fiéis  seguram a terra junto a locais afetados por alguma enfermidade.


O 15 de agosto - DIA DE CARPIÇÃO – assim como acontece na primeira segunda feira de agosto e se repete no dia de  NOSSA SENHORA DO BOM SUCESSO,  fiéis voltam a carregar terra no ritual da carpição, costume presente desde Guarulhos até o sul mineiro; tradição essa muito forte em Piracaia, Joanópolis, Guaratinguetá, Camanducaia, etc. De acordo com Carlos José Ferreira dos Santos em seu livro  Identidade Urbana e Globalização  (A formação  dos múltiplos territórios em Guarulhos), há várias explicações, entre elas a explicação de 1913 pelo padre Celestino: “Esse termo carpição parece derivar do verbo “carpir” porque primitivamente pouco antes da festa, grande número de pessoas era chamada para fazer a limpeza e para carpir o adro....”  Uma outra explicação que eu acho também viável, tendo em vista que o dia coincide com a data de Nossa Senhora da Boa Morte em cujos ritos se apresentavam carpideiras (mulheres que choravam por dinheiro nos enterros; pranteadeiras, choradeiras), existindo uma associação entre Nossa Senhora do Bom Sucesso dos Agonizantes, que  segundo relatos, inicialmente a Virgem do Bom Sucesso era invocada para proporcionar aos seus devotos uma boa morte;  pois o maior sucesso, desejado por todos, era a salvação eterna. Com a finalidade de implorar o seu auxílio nos últimos momentos, foi fundada em Portugal, no século XVI, uma irmandade, cuja protetora era Nossa Senhora do Bom Sucesso dos Agonizantes. Continuando a visão do autor do livro ele diz “encontramos a associação da carpição ao choro e pranto realizados pelas “carpideiras” na ocasião da morte, e novamente, esta com a terra”. Em outro trecho “A relação do homem com a terra do Bomsucesso como elemento natural de energia e cura”. Na hagiografia (História dos santos e das coisas santas) sobre a imagem de Nossa Senhora do Bom Sucesso, consta que  vem do latim - successu -  significando aquilo que sucede ou sucedeu; resultado feliz e êxito, sendo também traduzido como parto, como um Bom Parto, um parto bem sucedido. Curioso que aqui forma esta questão do NASCER/MORRER ou VIDA/MORTE.
De acordo com o livro "Maria e seus gloriosos títulos", Edésia Aducci, ed. Lar Católico, 2ª ed, Nossa Senhora do Bom Sucesso tem a seguinte história: “Na cidade de Lisboa houve uma senhora muito ilustre, D. Eyria de Brito, filha de João de Brito e de D. Antônia de Atayde. Quando tinha apenas 14 anos, seus pais a casaram com D. Diogo Forjas Pereira, Conde de Feira. Enviuvando aos 18 anos, casou-se novamente, obrigada pelos parentes, com o primeiro Conde de Atalaya, D. Francisco Manoel. Era a Condessa D. Eyria muito virtuosa e muito devota de Nossa Senhora, e desejava muito ter uma imagem sua; no tempo em que andava com este desejo, foi à sua casa um peregrino com uma imagem de Nossa Senhora para vender; assim que a Condessa a viu, afeiçoou-se à imagem, de sorte que mandou dizer por um criado que ficava com a imagem, e que visse o que pedia; foi o criado, e não achou mais o peregrino: desaparecera, e ninguém mais o viu. Ficou a Condessa muito alegre, e muito mais ainda, julgando ser aquilo obra de Deus e favor que sua Mãe Santíssima lhe fazia. Colocou-a logo em seu oratório, onde ouvia Missa. A imagem era própria para ser vestida, formada em meio corpo de madeira de bordo, com braços de engonço, e assim só tinha a cabeça e as mãos encarnadas. Estas imagens chamavam-se imagens de roca. Estava vestida de cetim amarelo guarnecida de verde; mostrava tanta majestade no rosto, que em todos os que a viam infundia uma grande veneração e respeito. E assim não parecia ter sido feita por mãos de homens, mas pelas mãos dos Anjos. Tinha de altura dois palmos e meio. Não sabia a Condessa o título que a santa imagem tinha, porque o peregrino não o disse; mas, porque não trazia Menino, a Condessa a vestiu de branco com escapulário azul e a intitulou "da Conceição" (concepção - concebida). E com este título começou a invocá-la. O ano certo em que isto sucedeu não se sabe; porém como foi em vida do Conde de Atalaya, e este morreu no ano de 1629, é certo que foi alguns anos antes. Depois que a Condessa fundou o Convento, as religiosas Dominicanas puseram o Menino nos braços da imagem e deram-lhe o título de "Bom Sucesso", por revelação que teve uma religiosa, tornando-se a padroeira da casa”.
 O RITO de carregar a terra como elemento de cura, como reinterpretações de ritos da morte (lembrando que era costume jogar três punhados de terras quando sepultava alguém), bem como o dito popular “a terra que dá, a terra que come”, e ainda a questão de nascer da terra (barro) e voltar a terra (ao pó), deixam uma grande área de pesquisa e novas interpretações.  (Valter Cassalho).