segunda-feira, 6 de novembro de 2017

O QUE DIZEM OS MORTOS DE PIRACAIA

PIRACAIA É NOTICIA EM REVISTA NA EUROPA.
Pesquisa do professor VALTER CASSALHO realizada este ano em comemoração aos 200 anos de Piracaia é  publicada na Europa. Com o tema O QUE DIZEM OS MORTOS DE PIRACAIA,  Valter Cassalho aborda a questão dos enterramentos nas igrejas no século XIX e a transição destes enterros para fora destas e origem dos cemitérios (1830-1891).  Estudando os livros de enterramentos e testamentos da Igreja Matriz de Santo Antonio da Cachoeira ele traça um panorama dos enterramentos sem caixões, os ritos, os desejos no momento da morte, as pompas e em especial o uso das MORTALHAS com seus significados quanto as cores e  a proximidade junto de determinados altares.  Afirma Cassalho, “o uso das mortalhas nos dá um entendimento de como era morrer naquela época e sua divisão social, paradoxalmente os mais abastados eram enterrados no hábito de São Francisco”.  
O presente estudo também mostra pessoas de grande importância para a história piracaiense  como é o caso da fundadora Leonor Franco, Maria Escolástica de Ornellas e Capitão José Bonifácio. Além disso o estudo mostra os tipos de mortes, doenças da época, usos e costumes.  Perguntado sobre o motivo da escolha sobre os mortos, Afirmou Valter Cassalho “O estudo sobre as formas, meios e situações mortuárias revela um passado pouco conhecido, revela novos conhecimentos e abre um leque de possibilidades de novos estudos históricos e antropológicos entre outros.” Completou ainda: “Nessa pesquisa percebi que a igreja primitiva de Piracaia não era uma simples capela, mas pelo número de enterramentos em seu interior, bem como de altares e irmandades, mostra ser de bom tamanho e importância já nos meados daquele século”.  A revista Brasil – Europa é segundo sua apresentação uma  Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND), sendo  uma fundação com finalidades exclusivamente científicas, teórico-culturais e filosóficas. O seu escopo é fomentar estudos e reflexões a serviço do alcance de conhecimentos, do desenvolvimento das ciências e do esclarecimento.  A pesquisa do professor Valter Cassalho pode ser acessada no número 169 (201l7:5), no link: http://revista.brasil-europa.eu/169/Valter_Cassalho_Mortos_de_Piracaia.html


quarta-feira, 4 de outubro de 2017

Mas, será o Benedito...!?


São Benedito é um dos santos mais populares do Brasil, principalmente na zona rural da região sudeste, onde se concentra grande parte da civilização caipira. A intimidade com os santos é uma constante dentro do nosso universo caboclo, no qual atribuem-se fortes personalidades, lendas e superstições sobre  os mesmos. Na crença cabocla São Benedito é um santo muito milagroso, porém brabo e exigente como ele só. Rei dos Congos e Moçambiques, o mesmo tem o privilégio de ser o primeiro em tudo. Seu andor é o primeiro a ficar pronto e o primeiro a sair da igreja para liderar as procissões. Mesmo nas rezas de  São Gonçalo prepara-se um andor para este santo e no altar do santo violeiro ocupa lugar de destaque. Se desrespeitado sua vingança ocorre com vendavais, tempestades ou chuvas na ocasião das festas.
                   Contam que, numa festa de São João era comum os andores serem enfeitados na casa de um dos festeiros para retornarem a igreja na véspera do dia do padroeiro. Levados em procissão para uma fazenda próxima a cidade, chegaram de forma desorganizada e foram espalhando os andores, quando chegou o São Benedito, não havia lugar separado para o mesmo e o fanfarrão e abusado festeiro mandou que o colocassem no porão, pois lugar de escravo era na senzala. Admirados, muitos fiéis ficaram preocupados, foram ao porão e receosos enfeitaram o santo de vermelho (sua cor predileta). O amanhecer véspera da festa não trouxe bons sinais, nuvens pesadas foram se juntando e na hora de saírem com as imagens houve um grande temporal, cujos ventos de tão fortes destruíram as barracas na cidade e por fim levou boa parte do telhado da casa do festeiro. Choveu dias seguidos e não houve festa e nem procissão em louvor aos santos.
A nossa  Igreja Matriz possui uma belíssima imagem de São Benedito e o seu andor é  caprichosamente forrado, com esplendores ricamente ornamentados  em flores e as vezes até iluminado. Em todas as procissões em louvor aos santos era o primeiro a descer solenemente as escadarias da igreja, com diversos andores atrás de si. Na festa de São João seu andor recebia o mesmo tratamento a altura do padroeiro e ficava exposto na igreja.
Nas casas a tradição manda que sua imagem fique sempre na cozinha e não nos oratórios, pois consta que o mesmo foi um grande cozinheiro e sua presença neste cômodo garante fartura e proteção. A ele serve-se o primeiro cafezinho todas as manhãs ou toda vez que se côa um café novo.
Mas quem foi São Benedito? De acordo com a Santoral Popular (Santo Nosso de Cada dia -  ed. Loyola 1991) ele nasceu em 1526 na aldeia de San Fratello Província de Messina na Sicilia, era filho de pais descendentes de escravos, conseguiu sua liberdade graças ao professor Manasséri, apesar de ter recebido excelente educação não era alfabetizado. Aos vinte e um anos foi para o eremitério onde exercitava todas a suas virtudes e adquiria novas a cada dia, operando diversos milagres. Mais tarde foi para um dos rochedos de Palermo e em 1562 ingressou na ordem Franciscana no Convento Santa Maria de Jesus. Foi cozinheiro por muitos anos e em 1578 foi nomeado guardião do convento e mestre de noviços. Morreu em 1589 e seu corpo continua incorrupto e exposto na igreja de seu convento em Palermo - Itália.
Seu culto introduzido no Brasil via Portugal e outros países teve grande aceitação entre os escravos os quais dedicaram-lhe as coroas dos Congados e Moçambiques, bem como inúmeros versos nos folguedos religiosos.
Mesmo tendo o seu dia comemorativo em cinco de outubro, dado a sua origem africana comemoram-no sempre a treze de maio, relacionando-o com a libertação dos escravos. Mesmo não havendo grandes festividades em seu dia, uma coisa era certa, São Benedito estava presente em todas as festas, afinal, sem sua vontade os dias de festas não  seriam ensolarados e as noites não seriam tão estreladas. Viva São Benedito!

Valter Cassalho



quarta-feira, 13 de setembro de 2017

O CORPO SECO

O CORPO SECO


Zeca Honório era uma cria ruim, pior que carne de pescoço, com ele ninguém lidava.  Quando criança  contava-se que fazia todo tipo de maldade, tanto com animais quanto com pessoas. Sua mãe dona Assunta, era uma coitada, viúva, com cinco filhos, tinha no caçula o tal do Zeca a personificação da ruindade. Porém,  Zeca cresceu e casou-se com Maria Inocência, uma pobre e ignorante mulher que morreu dois anos depois, num formidável pontapé na barriga prenhe que o marido desferiu num de seus ataques de cólera. Morta a mulher, voltou a residir com a sofrida mãe, a qual como sempre socorria o Zequinha, todavia, suas crises e ruindades aumentavam, até que um dia por qualquer motivo, chegava a espancar a pobre velha, proferindo uma série de blasfêmias aos céus. Dona Assunta de desgosto morreu logo e passado um ano o tal do Zeca, aos quarenta e imprestáveis anos foi fulminado por um ataque cardíaco.
Passado alguns meses, diziam que o coveiro teve que enterrar de novo o Zeca Honório, pois misteriosamente o corpo estava exposto e o que é pior intacto. Passou um ano, a terra rachou e para surpresa do coveiro o corpo outra vez subira a superfície, apesar das roupas corroídas  o corpo estava inteiro e os cabelos e as unhas tinham crescido.
O coveiro, muito esperto, entendeu que Zeca Honório pelo fato de ter batido na mãe e outras maldades mais, virara Corpo Seco, o qual tanto a terra, quanto os vermes o repudiavam.
Escondeu o corpo em outra cova e ladino como ele só, contou o caso a uma benzedeira e esta informou que para acabar com a maldição seria necessário a mãe ou madrinha de batismo do defunto dar uma surra com vara benta no dito cujo. Como ambas eram falecidas, tornava-se impossível acabar com a maldição, todavia, seria necessário enviar o corpo para Pico do Selado, onde as almas penadas pagam penitência.
Na primeira tempestade noturna que se formou, o coveiro, a benzedeira e mais um ajudante pegaram uma rede, passaram uma taquara (bangüê), recolheram o corpo e foram para a igreja, lá passaram um conto no vigário, ou seja, informaram que era uma mulher que tinha falecido de doença contagiosa e necessitava ser enterrada o quanto antes, o padre, já de idade avançada, cansado, meio míope, ao clarão de vela, mal olhou o cadáver e começou a encomendar o corpo. Conforme rezava, o vento assobiava forte, raios e trovões pareciam aumentar a cada instante; a cada sinal da cruz um raio iluminava e estremecia a igreja. Terminada a reza, o trio dirigiu-se para fora e deixaram o corpo no chão e este sacudido pelo forte vento começou a balançar, a flutuar num sobe e desce tétrico e horripilante. Os três mal respiravam e com os olhos arregalados, viram o corpo se desvencilhar da rede, os cabelos esvoaçantes, os clarões dos relâmpagos e de repente um estouro (buummm!) e num clarão faiscante o corpo foi em direção ao Pico do Selado, deixando um rastro vermelho no céu.
Assim termina a história de Zeca Honório, cuja alma como tantas outras, segundo o nosso folclore, está aprisionado no Pico do Selado, local este que foi muito temido até décadas atrás, deste local se ouviam as mais variadas histórias, possíveis e impossíveis. (Valter Cassalho)
  
Trovas do Morro

No morro do segredo,
Numa mata de arvoredo
Há o grande rochedo
que a todos mete medo.

Falam das almas penadas,
que para lá foram seladas,
Urram e passam atreladas,
Em noites frias estreladas.

E'  espirito do homem pagão
Que morreu sem extrema-unção,
Foi errante, maldoso, ladrão.
Avarento até no pão.

Nem a terra quer o corpo,
Não tá vivo, nem tá morto,
Fedorento como um porco,
Fica seco no seu horto.

Quando vem a ventania,
E levado na agonia,
O vento forte assobia,
Valei-me! Ave-Maria!

Vai ficar aprisionado,
Nas garras de um diabo,
Sendo sempre açoitado,
Lá no Pico do Selado.

Na noite de lua cheia,
O morro todo clareia,
O morto-vivo passeia,
Pende o corpo, cambaleia.

Ai meu Deus, Ave-Maria!
O que é essa gritaria?
São as almas da morraria,
Que te fazem  zombaria.

A história é verdadeira,
Contada por derradeira
E mais velha rezadeira,
Da serra da Mantiqueira.

Se fores muito ousado,
Se fazendo arrogado,
Então suba o Selado,
E pergunte ao penado



segunda-feira, 12 de junho de 2017

CAIAPÓS

Para sarar quem está doente e acordar quem está dormindo

Somos todos de baitará/A raça de tupi/Somos marão de quá/Do chefe Caiubi. –Somu tudo inadara/da raça de tupi/Somu barão de guara/Do chefe Itajubi.

A frase e os versos acima pertencem ao caiapó de Piracaia gravados em 1945 e 1955 respectivamente e incluídos num livro sobre Danças Dramáticas do Brasil na década de 60. O caiapó de Piracaia incorporou-se as mais profundas tradições da cidade, consistindo até hoje como um ponto de referência desta cidade na área folclórica. O caiapó era presença obrigatória nas festividades do Padroeiro da cidade (Santo Antonio) e das cidades vizinhas.  Na década de 10 o cacique Basilião  (Brasilio José da Cunha) fazia a festa e fama por toda a redondeza, inclusive no centenário de Piracaia (1917), com suas roupas feitas a penas de perú e outras aves, sendo substituido  mais tarde pela figura carismática de Vô Daniel (década de 50), o qual passou o cargo  respectivamente para Antonio Clarinete, Zé Tintureiro,  Zézinho (José dos Santos Filhos) e chegando até o Cacique Adilson dos Santos, o qual está na chefia desde 13 de junho de  1980 e participante do grupo desde os seus doze anos de idade. Piracaia deve muito ao cacique Adilson pelo esforço e perseverança  com que vem mantendo viva esta importante manifestação folclórica. Na maioria das cidades boa parte das pessoas e o Poder Público gostam de falar e exibir a visitantes e autoridades seus grupos tradicionais, porém, bem poucos colaboram e incentivam financeiramente tais manifestações.



Mas, o que é o Caiapó? Quem são ou foram esses personagens que se vestem de penas ou palhas, que tocam buzinas de chifres pelo meio das ruas em dias de festas?
O índio sempre exerceu um fascínio no homem branco. Desde os primeiros contatos a literatura e a pintura tem exagerado e fantasiado sobre este povo dos trópicos, muitas vezes mostrando-os como ferozes canibais, outras  como dóceis, ingênuos, belos e apaixonados seres. Nossa cultura esta recheada de nomes, comidas e costumes indígenas. Os desfiles carnavalescos trazem sempre estes personagens à tona, porém pecam violentamente, utilizando cocares e adornos típicos de índios norte-americanos (mais uma gafe da mídia enlatada). 
No nordeste brasileiro a imitação dos índios é constante através dos Caboclinhos, dança dramática em que encenam uma luta de tribos inimigas, consistindo em  reminiscências dos antigos desfiles indígenas com seus instrumentos de sopro. Em Goiás acontece dança semelhante com o nome de Dança dos Tapuias.  Em diversos Estados, principalmente em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, aparecem os Caiapós, que é um bailado  popular de influência indígena com variações de acordo com a localidade.
Este bailado já era mencionado em São Paulo em 1793 e 1794 pelos festejos do nascimento da princesa da Beira, herdeira do Trono de Portugal. Nestas citações do século XVIII relata-se o uso de buzinas, vestimentas de penas de peru e palhas.  Este folguedo seria uma imitação dos índios caiapós do sul, que dominavam os sertões na época dos bandeirantes, suas tribos situavam-se entre as cabeceiras do Araguaia e a bacia superior do rio Paraná. Os caiapós do norte vivem até hoje na região entre o Araguaia e o Xingu no norte do rio Topirapé.  Os primeiros desbravadores  (e escravizadores de índios)  encantaram-se com os cânticos e danças dos caiapós do sul, a tal ponto que a  encenavam na vila de Piratininga e localidades adjacentes.
 Existem algumas  diferenças quanto a encenação de uma para outra localidade, em algumas  existem um canto em tupi (nheengatú), em outras em português e em outras não há mais canto ou diálogo. Uma grande parte dos caiapós apresentam-se  com uma ou duas meninas chamadas de bugrinhas, cunhatãs ou cunhãs, as quais são raptadas por um homem branco e quando encontradas é realizada a dança comemorativa. Em nossa região, principalmente em Piracaia e Joanópolis  a encenação se dá em torno da doença (e  morte) do curumi (chamado de macuru, bacuru ou bucuru). Os caiapós chegam alegres e festivos, após a doença e  morte de  Macuru, entristecem-se, deitam no chão e lamentam o acontecido. Em seguida o pajé faz um ritual mágico, com muitos gestos, palavras e pólvora, que após acesa traz à vida o pequeno Macuru, todos levantam-se e  comemoram dançando o resultado positivo da pajelança.
Em alguns casos a figura de cacique-pajé (Tuxaua-pajé) é divida em dois personagens, o cacique que comanda o grupo, pai de Macuru e o altivo e orgulhoso pajé que faz a cura (caso de Joanópolis). Em outros o cacique possui a dupla função de líder e pajé, sendo o Macuru  filho de uma das mulheres da tribo (exemplo Piracaia). Neste último, há algumas décadas, como as mulheres não participavam da dança  um dos elementos vestia-se como mulher e mãe do referido curumi.
Os caiapós fazem-se acompanhar de variados e variantes instrumentos, caixas-de-guerra, tabuinhas, reco-reco, cuíca (puita), tambu, pandeiro e aricongo, em alguns casos queixadas de vacas e burros, sendo constante a presença da buzina feita de chifres. Trazem lanças, arcos, flechas e outros utensílios enfeitados.
Desta forma, este folguedo é uma lembrança encenada  a céu aberto sobre os maravilhosos rituais  de pajelança de nossos ancestrais, não apenas uma alusão aos caiapós do sul, mas também, a toda  nação indígena, inclusive aquelas que residiram nestas localidades (os guarús ou guarulhos e outros).  Que estes rituais, apesar de simbólicos, exorcizem nossas cidades e tragam  fertilidade, cura e energias positivas para todos nós.
Valter Cassalho


quarta-feira, 17 de maio de 2017

A HISTÓRIA DE MARIA CUNHA - A MUITO CATÓLICA

Maria Celestina Domingues, conhecida também como Maria Cunha, vem da família dos Grilo, nasceu em terras da antiga Santo Antonio da Cachoeira (hoje Piracaia), por volta de 1865, era filha de João Domingues de Souza e Ana Theodora da Silva, e moradora do extenso e conhecido bairro do Curralinho, onde décadas mais tarde seria o município de São João do Curralinho (hoje Joanópolis).  Por estas terras cresceu e viveu sua infância e juventude e casou-se em 24 de abril de 1883 na igreja de Santo Antonio da Cachoeira, com ANTONIO JOSE DA CUNHA, este filho do primeiro casamento de Pedro José da Cunha (filho de Gertrudes Maria de Jesus natural de Nazaré Paulista)  com Antonia Francisca de Jesus (esta filha de José Ramos da Silva e Clara Maria de Jesus), na ocasião de seu casamento consta Pedro José da Cunha (casado em 1850), como falecido.
MARIA CUNHA ficou viúva em 28 de dezembro de 1906, falecendo  Antonio José da Cunha com apenas 45 anos de idade, deixando vários filhos, ainda adolescentes.
Alguns familiares referem-se a ela como MARIA CUNHA – a muito católica.  Consta que tinha uma casa de assistir na praça ao lado direito da igreja matriz de Joanópolis (hoje casa nº 186), onde vinha todo final de semana assistir a missa ou participar dos dias de festas da igreja.
Segundo descrição de suas netas era uma mulher um tanto gorda, baixa e conhecida por sua religiosidade e generosidade, um dos seus filhos a trazia de charrete todo sábado para a cidade, onde pernoitava e assistia o oficio na missa no domingo pela manhã e a tarde retornava para seu sítio. Este sítio era  logo no início do bairro dos Alves, nos Bugres próximo ao Cancan, também chamado de bairro dos Gatos, numa área com cerca de sessenta alqueires, por onde cresceram filhos e netos. Como boa matriarca sempre fez questão que seus filhos após casados continuassem morando em sua casa ou construísse casa em seu terreno, mantendo-os sempre por perto.
Contam que durante a Quaresma fazia com que todos os filhos, genros, noras e netos cumprissem à risca as penitências e rezas desse período, além disso, todos faziam parte de Irmandades da Igreja. No período da Quaresma comprava caixas de bacalhau para consumo durante a abstinência de carne. Costumava pendurar peças e peças de bacalhau num grande quarto da casa e ir comendo nos quarenta dias que antecedia a Páscoa distribuindo a filhos e netos durante a semana santa.
Teve os seguintes filhos: SEBASTIÃO (nascido em 1891 e casado com Maria Francisca de Oliveira da família Villar Garcia), JOÃO ANTONIO (casado com Ernestina e pai de Antenor Cunha), JOSE (casado com Rosa), ANTONIO (casado com Joana e depois com Gertrudes), CARMEN (casada com José Magro e pais de Maria Lau casada com João Lau – família Siqueira), BERTHA MARIA DA CONCEIÇÃO (casada com Antonio Villar Garcia), RITA (casada com Guilherme da Silva Mello irmão do Ceciliano vulgo Alhano), MIGUEL DOMINGUES DA CUNHA casado com Benedita Maria de Jesus  (pais do Antonio  Domingues da Cunha (Nicão 1920) e de Rosa Cunha).  Todos cresceram e moravam junto a Maria Cunha e por ela guardavam grande respeito e muitas lembranças que chegaram até nós seus descendentes.
UM COLAR DE OURO – Era costume MARIA CUNHA sempre usar um colar de ouro, pois os antigos portavam ouro, em colares, dentes, anéis e brincos. Seu colar de ouro tinha dupla função, não apenas enfeitava a matriarca como também, era usado para cortar as brotoejas, uma doença bem comum em bebês na época. Como simpatia, na hora do banho colocava-se o colar de ouro na água onde ia se banhar as crianças curando e evitando vários males. Costume esse que ela utilizou em seus filhos, e em seus netos, tanto que cada vez que nascia um deles, ela enviava o colar de ouro a mãe da criança e esta ficava com ele por um bom tempo, devolvendo tempos depois. Assim o colar de ouro de Maria Cunha andou de  casa em casa de seus filhos e no pescoço e banho de muitos de seus queridos netos, até perder-se no monte mor da herança após a sua morte. 
O TRISTE DIA DA FESTA DE SANTA CRUZ – No ano de 1933 foi um triste ano para a família Cunha. No dia primeiro de maio reuniu-se a família junto a dois monjolos, o velho que possuía a antiga casa de monjolo e o novo que ainda estava com casa de monjolo por fazer. Vários familiares reunidos para fazer farinha e paçoca para uma Festa de Santa Cruz que aconteceria no dia 03 de maio, da qual Maria Cunha era devotíssima.  Todos em seus afazeres e as crianças brincando, até que infelizmente por volta das quatorze horas a filha da Bertha Maria da Conceição de nome Maria com seis anos aproximou-se demais do monjolo novo sem casa e este ao descer o malho bateu em sua cabeça e essa caiu dentro do pilão do monjolo. O impacto a matou imediatamente e o monjolo por sorte caiu para traz e travou, não voltando a cair sobre o pilão, evitando assim uma cena muito pior do que aquela que estava acontecendo. Logo em seguida sua mãe a vê caída e quando chegou perto percebeu a tragédia ocorrida. Foi um desespero total na família,  acabou por reunir muita gente e requereu a presença de inspetor de quarteirão e  muitos vizinhos.  A tragédia acabou com a festa e o dia de Santa Cruz (03 de maio) sempre trouxe a triste lembrança do acontecido daquele dia.
MARIA CUNHA  veio a falecer meses depois no dia 26 de setembro de 1933, em Joanópolis onde foi sepultada, em seu velório compareceram muitos familiares e amigos, passando o cortejo pela matriz onde foi recebido pelas irmandades e recebeu os últimos sacramentos antes de adentrar à vida eterna.
Sua presença na família apesar de tão distante data foi marcante, sendo lembrada e suas histórias contadas e recontadas sempre por nossos bisavós e avós, em especial no período da Quaresma ou no dia de Santa Cruz.  Maria Cunha partiu há mais de oitenta anos mas suas histórias, carinho e devoção à fé católica até hoje são comentadas.  A ela nossas homenagens e agradecimentos.
(Valter Cassalho – tataraneto) 

terça-feira, 7 de março de 2017

DIA INTERNACIONAL DA MULHER

HOMENAGEM

Professora Adilia Ferreira de Almeida Pereira



No dia da Anunciação do Senhor, 25 de março do ano de 1891 no recém criado distrito de São João do Curralinho, nascia Adília Ferreira de Almeida, filha do nosso historiador Antonio Ferreira de Almeida e Otília Caparica de Almeida.  No ano seguinte nascia seu irmão Antonio Ferreira de Almeida Júnior (futuro Professor de Medicina Legal  da USP). A menina Adília crescia tranqüila  numa terra amistosa onde sua família (Caparica, Figueiredo e Almeida) politicamente lutava para emancipação e crescimento do distrito.  Em 1895 Curralinho torna-se município e seu pai no ano seguinte, em 21 de agosto toma posse como Intendente Municipal, sendo uma das maiores autoridades municipais. Sua mãe estava lá, com o terceiro filho no ventre, com ela e o irmão no colo assistindo orgulhosa o juramento e oratória do ilustre Antonio Almeida. Foi um belo mês de agosto que apesar de sua pouca idade, dele deve ter ouvido inúmeras histórias, pois consistia no marco primordial da futura Joanópolis. Infelizmente, dois meses depois, sua mãe, com apenas vinte e um anos,  agonizava num difícil parto, dando a luz ao menino Sebastião, mas horas depois nossa primeira dama  veio a falecer, causando  grande comoção no município e cidades vizinhas. O menino Sebastião viria a falecer quase dois meses depois, no dia 21 de dezembro. Naquele ano o natal não foi um dia festivo.

O tempo transcorreu rápido e logo aquela menina de olhar meigo e profundo, que sempre estava na casa dos avós (Anselmo Caparica e dona Bruna Figueiredo) cercada dos inúmeros tios, tornou-se uma menina esperta e dinâmica, sendo educada na primeira escola mista do município, sob o comando de sua tia e professora dona Bruna Caparica Filha.  Com certeza, o zelo, conhecimento e dedicação da professora Bruna Caparica deve ter exercido grande influência sob seu caráter e determinação na profissão que escolheria mais tarde.
Concluindo os estudos em sua terra natal, foi para São Paulo, ficando hospedada no Colégio Santana, fazendo seus estudos  na Escola Normal Secundária de São Paulo, formando-se professora pela centenária Instituição Caetano de Campos, no dia 01 de dezembro de 1914, no mesmo ano em que era fundado o Grupo Escolar Curralinhense em terras doadas pelo seu tio-avô o Cel. João Ernesto Figueiredo.
No ano seguinte, volta para Joanópolis e orgulhosamente torna-se a primeira joanopolense a assumir a primeira cadeira de referida escola.
Exímia  e dedicada educadora, sempre fez questão de lecionar para o primeiro ano, pois a sua paixão era alfabetizar, ensinar as primeiras letras, alicerçar muito bem a nova jornada estudantil, sua dedicação fazia com que as vagas para suas classes fossem  disputadas. Sua competência e organização era tanta, que na falta dos diretores era ela quem comandava o grupo escolar, bem como as crianças que tinham dificuldades em aprender passavam  diretamente para sua classe.  Ainda hoje, ex-alunos, como Dirceu José Nogueira, João Toledano Sanches e outros,  falam do carinho e da dedicação de Dª Adília, a primeira professora.
Além de grande educadora, era uma excelente pianista e convidada de honra do Clube Curralinhense, realizava ainda em sua casa animados saraus, sempre com a presença marcante das amigas Maria Zenaide, Wanda Ribas, Aurélia Alágio e Alda Frederigue. Ficou ainda, por muitos anos com o honroso cargo de organista principal da igreja matriz. Dado ainda a sua fineza e espirito comunicativo sua casa passou a ser um ponto de referência para se hospedarem autoridades que  para cá se dirigiam.
Neste período nossa professora enamorou-se pelo coletor de rendas João Pereira (nascido em Espirito Santo do Pinhal em 13-5-1888), cujas belas e requintadas núpcias realizaram-se no ano de 1917.
Patriota e paulista convicta, ela e o marido apaixonaram-se pela causa de 32, chegando o esposo a doar  as alianças do casamento e ela o colar de ouro de seu noivado e como poetiza que era, ao entregar a corrente escreveu os seguintes versos: Vai corrente querida, presente de noivado, vai defender a causa, do meu querido Estado.  Sendo que este verso chegou a ser publicado pelo jornal  de São Paulo na época.
Sua grandeza e dinamismo, levou-a a assumir a presidência da Santa Casa de Misericórdia num momento em que esta instituição passava por grandes dificuldades, ela juntamente com a diretoria formada por Maria de Sousa Ribas, Alzira Telles, Maria Jimenes, Alice Valle Bueno, Joana Amorim e dr. Felicio Nogueira,  conseguiram estabilizar a situação e trazer melhorias para a sociedade e os enfermos que lá estavam.
Em 1937, seu esposo foi transferido para São Paulo para exercer cargo na Secretaria da Fazenda, sendo assim, Adilia pediu remoção para aquela cidade, deixando sua querida terra natal, a qual lhe preparou inúmeras homenagens  e festas de despedida.
Em São Paulo, lecionou em diversas escolas até se aposentar em 1945. Por ocasião de suas visitas a Joanópolis, aconteciam grandes reuniões e todos vinham dar um abraço na professora Adília, recebeu muitas homenagens em vida, principalmente em 1944 quando a Biblioteca Infantil e Pedagógica  de sua Primeira Escola  (Cel. João Ernesto Figueiredo) recebeu o seu nome,  a ocasião foi muito festejada com a presença de diversas autoridades e ex-alunos. Na ocasião o Grupo Escolar foi enfeitado com festões de flores naturais, celebrou-se uma missa de ação de graças as 07:00h, havendo até mesmo um desfile cívico pela cidade em sua homenagem, as 15:30h aconteceu a solenidade de inauguração, ocasião em que declamaram lindas poesias e o coral cantou belos hinos, recebeu em seguida um ramalhete de camélias brancas e uma jóia ofertada por seus ex-alunos. Em 1948  novas homenagens, desta vez por ocasião do dia do Professor, quando então foi Presidente de Honra de ditas comemorações, vinda especialmente de São Paulo para tal fim.
Dona Adilia, faleceu em 26 de fevereiro de 1978, em São Paulo  onde foi sepultada, deixou três filhos, Maria do Rosário, Elisa e Paulo.
Fica aqui nossa homenagem a esta mulher e grande educadora que todos lembram carinhosamente, Dona Adília foi mais uma joanopolense que teve um papel relevante em nossa sociedade e no dia Internacional da Mulher, nada mais justo do que homenagear uma educadora deste nível e de tão nobre personalidade.
(Valter Cassalho – 08-03-2000)

(...) A todo instante a educadora se impunha à admiração e ao carinho de seus alunos. Teve sua vida a significação de um livro em que cada página encerra uma lição, lição de bondade e de amor. Era de vê-la, todos os dias, na grandeza de sua modéstia, a dar o pão das primeiras letras às nossas crianças, paciente, cheia de abnegação, destacava-se Dª Adília figura de relevo, tanto pelo coração quanto pela inteligência.  Lembra-la, nos dias de hoje, para traçar-lhe o perfil, evocando-a nos seus exemplos e nas constantes manifestações de seu trabalho, será recordar uma época em que a instrução tinha seriedade e as escolas, em todos os seus graus, não se faziam senão fonte permanente de cultura. Tudo mudou, não raro esquecido pelos industriais de política, aí está, porém, o professor, lembrado, respeitosamente, pelos que ainda crêem na subsistência da família e da sociedade.
  (Comentários do saudoso vereador joanopolense
José Fernandes Amorim, plenário da Câmara/janeiro de 1980).



quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017


A família VILLAR GARCIA EM JOANÓPOLIS.

JOSE VILLAR GARCIA – o Pedro Espanhol.


A família VILLAR GARCIA é bastante numerosa em Joanópolis, alguns apesar de não assinar este sobrenome devido aos casamentos e acréscimos de sobrenomes de maridos, são descendentes de um ancestral comum, que em fins do século XIX decidiu morar nas terras de São João do Curralinho.
Nascido em 20 de fevereiro de 1874, na vila de Linares, Província e Bispado de Jaén (Espanha), foi batizado como José Eleutério, filho de Juan Villar e de Ana Garcia, sendo seus avós paternos Antonio Villar e Ana Garcia, e maternos Manuel Garcia e Catalina Bravo, todos naturais da vila de Linares,  sendo madrinha do batismo Josefa Bravo.  Cresceu pelas terras espanholas, consta que chegou a ingressar no exército, porém arrebatado pela paixão da espanhola  MARIA DOLORES e dado as dificuldades econômicas vividas na região, aliada as promessas de um mundo novo e promissor nas Américas, contrariando a vontade de ambas as famílias, resolveu vir para o Brasil. Com dezenove anos aventurou-se pelo Atlântico  e veio juntamente com Maria Dolores ser mais um colono nas fazendas de café da região. Infelizmente o destino lhe deu um duro golpe, na lavoura uma cascavel picou Maria Dolores e esta veio a falecer dias depois em seus braços.
Desolado pelos acontecimentos e não se adaptando a vida dura das lavouras e de seus capatazes acostumados a lidarem com escravos, decidiu residir na então de Vila de São João do Curralinho e começou a comprar pães nas padarias e revender pelos sítios; o sucesso da venda de pães o fez um mascateiro, vendendo outros produtos, tais como tecidos, linhas, carnes e ferramentas; enfim começou a ganhar dinheiro com seu comércio. Em 20 de agosto de 1899 casou-se na igreja com Ana Francisca de Oliveira (nascida em Curralinho em 1873) filha do português Manoel da Silva Mello e de dona Catharina Francisca de Oliveira, tendo com esta três filhos: Antonio, Maria Francisca (a qual se casaria com Sebastião de Souza Cunha) e Ana, porém infelizmente em 21/3/1905 a mesma veio a falecer de febre oriunda de parto, aos 32 anos de idade. Como costume da época, logo em seguida em 18/07/1905, ele casou-se com a irmã de Ana, para que esta cuidasse dos três pequenos órfãos. Amélia Francisca de Oliveira tinha 24 anos de idade e ele 31 anos, com ela teria uma vida feliz e com muitos filhos. Dona AMELIA da família Silva Mello era descrita como uma pessoa muito alegre, boa, dinâmica, estimada por todos, era irmã de EUGENIO DA SILVA MELLO (avô do Zé Alhano) e VALÉRIO DA SILVA MELLO.  Nesta ocasião bem sucedido financeiramente comprou muitos alqueires de terras pelos bairros do Cancan e Vargem Escura e começou a plantar café, construiu um boa casa no bairro e abriu além de sua venda de secos e molhados uma  loja de fazendas (tecidos). Foi também administrador do cemitério municipal por alguns anos. No entanto, todos o conheciam como PEDRO ESPANHOL, nome que preferiu usar aqui nas terras brasileiras e seus filhos sempre receberam a alcunha de espanhol, ou seja CHICO ESPANHOL, DOMINGOS ESPANHOL, IDALINA ESPANHOLA,  etc.
Com a dura crise de 1929 a economia da família sofreu duras perdas, com vários filhos já casados, resolveu vender suas terras que tiveram grande desvalorização pela crise do café e mudou-se para o bairro de Lavras em São Francisco Xavier, tentando a duras penas manter um armazém e uma pequena loja de fazendas.  Lá passou a morar num grande casarão existente até hoje.
Dona AMÉLIA veio a falecer  em 26 de novembro de 1934, deixando oito filhos, sendo quatro maiores e quatro menores e mais os filhos de sua falecida irmã. Consta que em 1933 dona Amélia não vinha se sentindo bem, devido a um  acidente que sofreu quando ao mexer num dos grandes armários da casa este acabou caindo em cima dela, e desde então começou a emagrecer e ter algumas dores e os médicos da época não conseguiram curá-la. Foi uma tristeza geral na família.
José Villar Garcia novamente viúvo, resolveu se casar com  Benedita Maria de Jesus (da família Cunha), que também era viúva e tinha muitos filhos, porém essa união  não vingou e em 11/11/1935 casou-se mais uma vez, agora com Maria Augusta de Siqueira Garcia,  com quem teve mais três herdeiros. Seus filhos geneticamente dividiram-se em homens altos, peludos, grandes, olhos claros alguns e negros outros, ao estilo mouro de Andaluzia,  suas filhas algumas loiras e bem brancas, olhos azuis e verdes, possivelmente herança da família de Manuel da Silva Mello ou de sua esposa Catharina Francisca.
O PEDRO ESPANHOL, apesar dos anos no Brasil falava com forte sotaque, era um homem bem extrovertido, falava bem alto, descrente de muita coisa e muito brincalhão.
Contam que certa feita, no bairro do Cancan surgiu uns comentários sobre uma cobra grande que aparecia pela estrada, e cada um que contava que a via aumentava um pouco o tamanho da cobra.  PEDRO ESPANHOL debochava de tais histórias e outras crendices do povo. Uma noite estando em sua venda resolveu pregar uma peça em seus clientes. Fez um imenso feixe de cobertores atravessou na estrada e entrou na venda gritando que a cobra estava na estrada !! Foi o que bastou para que um valente compadre pegasse a espingarda corresse para a estrada e descarregasse o fogo na cobra gigante.  Pedro Espanhol rolou na estrada de tanto rir e quase tomou um tiro devido a peça pregada no compadre. Essa foi apenas uma das várias artes que o Pedro Espanhol fazia. Devido a isso coloquei os causos do meu livro HISTÓRIAS DO ARCO DA VELHA acontecendo na venda do PEDRO VILLAR; foi a forma que encontrei de homenagear meu querido tataravô.
Finalmente veio a falecer no bairro de Lavras, em  São Francisco Xavier, aos 78 anos de idade, em  20/09/1952, deixando segundo  sua certidão de óbito os seguintes filhos vivos: Maria com 55 anos e Antonio com 51 anos (filhos de Ana Francisca); Domingos com 41 anos, Francisco com 39 anos, Otilia com 37 anos, Luziano com 35 anos, Idalina com 33 anos (filhos de Amélia); Joaquim com 16 anos, Luiz com 10 anos e Francisco com 08 anos (filhos de Maria Augusta).
Bem, mas a morte do JOSÉ VILLAR GARCIA, o Pedro Espanhol não poderia ser tão simples assim. No decorrer dos anos, ajudou com donativos e prendas a construção da igreja de São Francisco Xavier e como costume seu enterro deveria passar por lá antes de seguir para o cemitério.  Chegando o cortejo na igreja, a mesma estava fechada e todos estranharam; porém, apareceu o sacristão e informou que MAÇOM NÃO ENTRARIA NA IGREJA.  Pronto !! Foi o alvoroço geral no grande cortejo. Imaginem os leitores o tamanho da encrenca diante de uma família de espanhóis irritados!  O caixão entra ou o caixão não entra na igreja?  Poucos sabiam que no passado ele foi ligado a MAÇONARIA ! Dei várias buscas nos precários arquivos da maçonaria e não localizei o registro dele, sendo que notícias de uma Loja Maçônica em Joanópolis data de 1898.  Porém no período de sua morte, há muitos anos estava ele desligado da maçonaria. Bem, resumindo a ópera, depois de muito impasse e discussões o sacristão abriu a porta lateral da igreja, porém, como bons espanhóis teimosos, afirmaram: OU ENTRA PELA PORTA PRINCIPAL OU NÃO ENTRA !!! Novo impasse e discussões; o tempo passando e o caixão ali no chão! Imagino a alma do Pedro Villar vendo a discussão se deliciando com o acontecido. No final  resolveram abrir a porta da frente e o caixão entrou;  foi encomendado, seguiram para o cemitério onde foi enterrado.  Enfim, tudo estava terminado. Na verdade não !!!  Teve mais um probleminha, ao voltarem do enterro e chegarem na casa, perceberam que um tal QUADRO tinha sumido da parede ! Alguém entrou na casa e consumiu com um certo quadro, que segundo os familiares era o QUADRO DA MAÇONARIA. Pronto !! Novos comentários e muitas dúvidas! Quem roubou o quadro? Chegaram alguns mais maldosos e sem saber o que era maçonaria, afirmarem que alguma força oculta veio buscar o quadro !  Bem, na verdade não sabemos até hoje qual quadro era esse, se era o quadro dos maçons reunidos ou o quadro da Loja Maçônica, e com certeza algum “irmão” resolveu por direito guardar em boas mãos aquela relíquia.
Assim termina a história de meu tataravó espanhol, o vovô espanhol como dizia minha avó materna. Uma vida rica de aventuras e acontecimentos e que deixou uma numerosa descendência em nossa querida Joanópolis e com certeza muitos desconhecidos parentes na cidade de Linares na Espanha querida.  (autor: VALTER CASSALHO).



CAMANDUCAIA - Histórias de Ricardina Fernandes Cassalho


Ricardina Fernandes Cassalho, nascida em 1866, era filha do abastado Domingos Fernandes Cassalho e de Escolástica Bernardina de Sene, cujo casamento e nascimento não foram encontrados nos livros de Camanducaia (antiga Jaguary de Minas), que datam desde 1779, sabe-se no entanto  que o casal possuía muitas posses, quer sejam em terras ou escravos.
Ricardina ao contrário de muitas mulheres de sua época era pessoa  que sabia ler e escrever, tendo o mesmo talhe de letra de seu pai. Dele deve ter adquirido outras características, tais como a ousadia e a teimosia.  Mulher alta, esbelta, de sobrancelhas cerradas e pulso firme, características essas passadas as suas futuras gerações.  
Aos dezessete anos de idade, no ano de 1883, casou-se com Joaquim Alves de Souza, nascido Santo Antonio da Cachoeira, (hoje Piracaia) em 1843, filho de José Antonio de Oliveira (falecido em Piracaia em 05/1/1849) e de Anna Joaquina, constituindo o casal um ótimo patrimônio, no lugar hoje conhecido como bairro do Azevedo e Bonifácios. 
O casal teve ao todo nove filhos, sendo que todos receberam o sobrenome Cassalho como sucessão de sobrenome, sendo que o “Alves de Souza” ficou em segundo plano ou mesmo desapareceu por completo. Graças a esta atitude e ao costume de se manter o sobrenome de maior importância, foi possível perpetuar o sobrenome Cassalho às gerações futuras; se assim não fosse o mesmo teria desaparecido entre os inúmeros Sousas de nosso País.
Seu pai Domingos Fernandes Cassalho, faleceu em 14/6/1885 e  sua esposa dona Escolástica Bernardina faleceu em 19/07/1911, com mais de oitenta anos, vitima de queimaduras, no bairro da Pinguela, em Camanducaia.  Neste período inicia-se uma vida difícil para Ricardina, dado ao endosso de dívidas feitas por seu marido e a diversas crises econômicas que o País atravessou no inicio do século XX.  O casal começa a perder grande parte de seu patrimônio, bem como a não receber muitas das dividas de capital emprestado a terceiros. Associa-se a tudo isso a doença de seu marido, ou seja, problemas de fígado, o qual se agrava  e o mesmo vem a falecer em 24/09/1911, aos 58 anos de idade. Viuva aos 45 anos e mãe de nove filhos, dos quais poucos tinham casado e constituído família, Ricardina assume a chefia  familiar e passa a exercer o oficio de parteira.
Em 1914 casa-se com o viuvo João Antonio da Cruz, porém esse casamento foi desastroso, não durando um ano, a mesma resolve, contrariando os princípios da época, separar-se deu seu segundo marido, indo residir definitivamente em Camanducaia, na casa de seu filho Cipriano Fernandes Cassalho. João Antonio da Cruz faleceu em 24/08/1917, com setenta anos de idade.
Continua nesse período no seu oficio de parteira, montava em seu cavalo como se fosse um homem, usando inclusive calças masculinas para facilitar a montaria,  atendendo diversos bairros.  Conta-se que certa feita, voltando após um parto encontrou um aglomerado  de pessoas na estrada, e viu tratar-se de um cavaleiro que havia caído de seu cavalo e feito grande corte na barriga; imediatamente levou o homem para uma casa ali próximo, desinfetou uma agulha no fogo, lavou bem o corte com água fervida e passou a costurá-lo, enfaixando-o em seguida e dando-lhe algumas ervas de seu conhecimento. Neste período não existiam médicos na região e o transporte para longe poderia causar a morte do mesmo. Semanas depois ao passar pela região, Ricardina foi informada que o moço passava bem. Na verdade seu filho João Cassalho, conhecido como João Peludo, seguiu o oficio de curandeiro, sendo muito procurado por seus poderes psíquicos e seu conhecimento sobre plantas medicinais, recebendo então o apelido de João Curador. Segundo consta a irmã de Ricardina também era conhecida pelos seus dons mediúnicos, sendo que muitos membros da família até hoje se dedicam ou possuem alguns dons ou atividades ligados a tais assuntos.
Conta-se ainda que Ricardina era pessoa muito prendada, fazia desde crivo, bróias (abrolhos) e de roupas velhas confeccionava roupas para crianças recém-nascidas, as quais levava quando ia fazer parto de pessoas carentes e em muitos casos, ao invés de receber a paga, ela era quem levava o costumeiro frango para a dieta da parturiente. Pessoa  resoluta, estava sempre a frente dos negócios da família, alegre como sempre porém de gênio bastante forte . Conta ainda que certa noite voltando de um parto, montada à cavalo, um sujeito a desrespeitou, a mesma encurralou ele com o cavalo e nos dizeres da época labrou o sujeito no chicote. 
Finalmente em 03/10/1933, Ricardina viria a falecer vitima de derrame. Seu corpo após o preparo do caixão (nesta época a maioria eram sepultadas em redes ou lençóis, os ditos bangues) e confeccionada e  vestida a mortalha, posto sapatos, passou pela igreja matriz onde foi encomendada sua alma e seu corpo foi exposto no pátio da igreja, enfeitado com ramos, o mesmo foi fotografado e diversas fotografias foram distribuídas a membros da família, em seguida em grande cortejo foi sepultada no cemitério de Camanducaia. Tais fotografais são guardadas pela família com grande carinho até hoje.
Ricardina foi uma dessas mulheres que não só marcaram sua época, mas deixou sua presença marcante, quer  seja em traços e personalidades em sua família. Curioso que até hoje, netos, bisnetos e tataranetos, mesmo não tendo a conhecido, referem-se a ela com grande carinho e respeito, devido a tão boas histórias que chegaram até nós a seu respeito.


VALTER CASSALHO, formado em História, pesquisador, jornalista e morador da cidade de Joanópolis-SP.  (Foto de dona Ricardina – acervo de seu neto FELICIO DE SOUZA CASSALHO – meu avô materno em Joanópolis).
DOMINGOS  FERNANDES CASSALHO - O CHEFE DO CLÃ DOS CASSALHOS DE CAMANDUCAIA

Há alguns anos venho pesquisando a origem da família CASSALHO, não apenas por curiosidade genealógica, mas também por consistir numa família praticamente única no Brasil, tendo em vista que ao que tudo indica os CASSALHOS do Brasil tiveram apenas uma ou duas origens de imigrantes que aqui chegaram em meados do século XIX.
Os primórdios desta família remonta ao século XIII e XIV na antiga GALÍCIA, o território galego que se mistura sob os domínios espanhóis e portugueses. Sendo grafado como CASSALLO no  norte da Espanha  e grafado como CASSALHO  no norte das terras portuguesas, como em Celorico de Basto, Braga, Porto e Cabeço em Bustos; havendo alguns casos como “CAÇALHO”, lembrando que no português arcaico o som de  SS era escrito com FS  pronunciado como SS mesmo. Existe uma citação de 1829 (Gazeta de Lisboa), sobre  a cidade do Porto falando sobre o militar MANOEL FERNANDES CASSALHO, bem como participação deste na Revolução Liberal de 1820.
No Estado do Rio de Janeiro aparece em meados de 1860, ANTONIO FERNANDES CASSALHO DE OLIVEIRA dono de uma Loja de Fazendas em Campos dos Goytacazes, doando terrenos para a cidade e fazendo caridade as pessoas, faleceu em 03/6/1883, consta o embarque de Antonio Fernandes de Cassalho Oliveira em 1839 na cidade do Porto/Portugal para o Rio de Janeiro.  Em Campos,  no Rio de Janeiro e em São Paulo aparece  o advogado ANTHERO FERNANDES CASSALHO DE OLIVEIRA, orador da Loja Maçônica Progresso em Campos dos Goytacazes em 1877. Curioso que aparece ANTERO FERNANDES CASSALHO DE OLIVEIRA como testemunha do casamento de Bento Sátiro Gomes com Bernardina de Sene (viúva de Joaquim Fernandes Cassalho) em Camanducaia em 14/12/1872. E ainda há a repercussão em jornais do assassinato do abolicionista  ANTONIO EURICO CASSALHO no Hotel Francês pelos escravistas da cidade de Campos  durante o Carnaval de 1887.
Em CAMANDUCAIA  quem dá inicio a todos os CASSALHOS da região é DOMINGOS FERNANDES CASSALHO - nascido por volta de 1820, em Portugal em Vila Nova de Gaia (segundo seu passaporte de 1837 do Porto); embarcou na cidade do Porto (Portugal) em 1837, desembarcou no Rio de Janeiro e rumou para Campos dos Goytacazes. Chegou em Camanducaia antiga Jaguary por volta de 1840 e casou-se com ESCOLÁSTICA BERNADINA DE SENNE, uma das famílias mais antigas da região. O seu casamento foi muito profícuo, logo em 1847 nascia a primeira filha do casal, que foi batizada com o nome de  ANA (1), casada com Antonio Francisco da Rosa em 1863. Depois veio MARIA (2), em 1850, casada em 1866 com Severiano Ribeiro de Sá. JOSE (3) em 1856, casado 1870 com CARMELIA BERNARDINA DE SENE em primeira núpcias e em Cambui em 1878 casou-se com Maria Francisca  Trindade Prado. Faleceu em Camanducaia 1921.  LIBANIA (4), casada em 1871 com TRISTÃO PEDRO RIBEIRO DE SÁ,  nascido em 1851, filho de Francisco Ribeiro de Sá e de Antonia Maria de Jesus; o qual foi  VOLUNTÁRIO DA PÁTRIA lutando na Guerra do Paraguai, sendo os pais de  Adélia Ribeiro de Sá, a qual se casaria com Cypriano Cassalho, filho de Ricardina Cassalho. ADHELAIDE (5), casada com Miguel Antonio Romano em 1875. CAMÉLIA (6) em 1861, casada com José Domingues dos Santos. JOAQUIM (7) nascido em 1848, casado em 27/12/1868 com Bernardina de Sene. Falecido por volta de 1870 e deixou uma filha de nome FAUSTA, nascida em 1869. RICARDINA (8) nascida em 17/05/1866, casada com Joaquim Alves de Souza em 10/11/1883 falecida em 03/10/1933, ocasião que foi fotografada em sua mortalha (como costume de época de famílias abastadas) e tal foto distribuída aos seus descendentes. ETELVINA (9) nascida em 1870 casou-se com Sebastião Antonio Romano em 1883. FRANCISCA (10) nascida em 1872 casou-se em 1888 com Benedito Gomes de Oliveira.DOMINGOS FERNANDES CASSALHO deu origem a uma numerosa prole os quais muitos casaram com membros da família Bernardino de Sene, Ribeiro de Sá e Romano, criando laços familiares e de compadrio gigantescos e influentes na antiga Jaguary.
Analisando os autos de seu Inventário nota-se que  era morador no bairro do Quilombo com área de cem alqueires, onde residia parte da família, seus inúmeros animais e vários escravos familiares tais como: BALTHAZAR, pardo, de 55 anos,  PEDRO – de 50 anos, ELIAS –de 23 anos, JOSE de 35 anos,  casado com BENVINDA de 19 anos com dois filhos pequenos em 1885 de nome JULIA E CECILIA e a escrava VITORIA de 50 anos e seus dois filhos Benedito e José. Possuía terras ainda nos bairros do Camanducaia Acima, Salto e uma casa na cidade.
Falecido devido a uma infecção em 14/6/1885 deixou muitos bens a inventariar e um testamento no qual ele legou a terça parte disponível da herança a sua esposa, ficando esta além da sua metade (meação) com mais uma terça dos bens. Sendo que ESCOLASTICA BERNARDINA DE SENNE viria a falecer em idade bem avançada em 1911 vítima de queimaduras, com mais de oitenta anos de idade. No testamento DOMINGOS FERNANDES CASSALHO declara: “como Chistão Catholico fallecendo onde quer que seja, que  o seu funeral será feito a vontade de seu testamenteiro e que por sua alma se digão cinco missas, sendo uma  de corpo presente, outra no sétimo dia, outra por almas dos captivos, OUTRA POR ALMA DOS QUE TEM MORRIDO NO MAR ALTO, e outras por almas dos seus finados paes”.
Tudo indica ser DOMINGOS FERNANDES CASSALHO de origem portuguesa. Dentro do que recolhi oralmente estava destinado a ser padre, pois geralmente as famílias destinavam um herdeiro para as terras, um para a carreira militar e outro para o clero; sobrando para si o clero, resolveu imigrar para o Brasil.  Dizia os antigos que por não ter aceito ser padre, teve tantas mulheres como filhas (!), o que era prejuízo, tendo em vista o costume de se pagar o dote de casamento por elas. Dos dez filhos apenas dois eram homens,  sendo que Joaquim faleceu muito cedo e deixou uma filha (Fausta). Por isso que se dizia as nove filhas de Domingos Cassalho.
Na época os batistérios valiam como registro de nascimento e era norma lançar somente o primeiro nome e no casamento lançava-se o nome completo, assim, muitas ficaram como Bernardina de Senne e outras como FERNANDES CASSALHO; nos registros dos filhos de acordo com as leis brasileiras prevaleceu o sobrenome paterno em alguns e o de maior importância em outros. Curioso que no caso de RICARDINA FERNANDES CASSALHO (mãe de: Cipriano, José, Sergino, Francisco, Torquato, Benedita, Maria, Domingos e João) prevaleceu o sobrenome CASSALHO e estes por costume passaram a seus filhos e descendentes. Hoje os CASSALHOS espalham-se em especial por Camanducaia, Itapeva, Extrema, Joanópolis, Bragança, Piracaia, Várzea Paulista, Jundiaí e várias cidades e Estados Brasileiros.
Este sobrenome tem um ancestral comum DOMINGOS FERNANDES CASSALHO que um dia escolheu as terras as margens do CAMANDUCAIA para morar e constituir essa numerosa família, que se desenvolveu numa teia de inúmeros e infinitos primos. Portanto, os CASSALHOS são todos parentes, de perto, longe,  de ontem e hoje numa árvore genealógica (Cassalho, Bernardino de Sene, Ribeiro de Sá, Romano e etc) cuja raiz no Brasil inicia-se em nossa querida CAMANDUCAIA, de sementes vindas do além mar, das terras portuguesas e galegas.


VALTER CASSALHO, formado em História, pesquisador, jornalista e morador da cidade de Joanópolis-SP.