CAIAPÓS
Para
sarar quem está doente e acordar quem está dormindo
Somos todos de baitará/A raça de
tupi/Somos marão de quá/Do chefe Caiubi. –Somu tudo inadara/da raça de
tupi/Somu barão de guara/Do chefe Itajubi.
A frase e os
versos acima pertencem ao caiapó de Piracaia gravados em 1945 e 1955
respectivamente e incluídos num livro sobre Danças Dramáticas do Brasil na
década de 60. O caiapó de Piracaia incorporou-se as mais profundas tradições da
cidade, consistindo até hoje como um ponto de referência desta cidade na área
folclórica. O caiapó era presença obrigatória nas festividades do Padroeiro da
cidade (Santo Antonio) e das cidades vizinhas.
Na década de 10 o cacique Basilião
(Brasilio José da Cunha) fazia a festa e fama por toda a redondeza,
inclusive no centenário de Piracaia (1917), com suas roupas feitas a penas de
perú e outras aves, sendo substituido
mais tarde pela figura carismática de Vô Daniel (década de 50), o qual
passou o cargo respectivamente para
Antonio Clarinete, Zé Tintureiro,
Zézinho (José dos Santos Filhos) e chegando até o Cacique Adilson dos
Santos, o qual está na chefia desde 13 de junho de 1980 e participante do grupo desde os seus
doze anos de idade. Piracaia deve muito ao cacique Adilson pelo esforço e
perseverança com que vem mantendo viva
esta importante manifestação folclórica. Na maioria das cidades boa parte das
pessoas e o Poder Público gostam de falar e exibir a visitantes e autoridades
seus grupos tradicionais, porém, bem poucos colaboram e incentivam
financeiramente tais manifestações.
Mas, o que é o
Caiapó? Quem são ou foram esses personagens que se vestem de penas ou palhas,
que tocam buzinas de chifres pelo meio das ruas em dias de festas?
O
índio sempre exerceu um fascínio no homem branco. Desde os primeiros contatos a
literatura e a pintura tem exagerado e fantasiado sobre este povo dos trópicos,
muitas vezes mostrando-os como ferozes canibais, outras como dóceis, ingênuos, belos e apaixonados
seres. Nossa cultura esta recheada de nomes, comidas e costumes indígenas. Os
desfiles carnavalescos trazem sempre estes personagens à tona, porém pecam
violentamente, utilizando cocares e adornos típicos de índios norte-americanos
(mais uma gafe da mídia enlatada).
No
nordeste brasileiro a imitação dos índios é constante através dos Caboclinhos,
dança dramática em que encenam uma luta de tribos inimigas, consistindo em reminiscências dos antigos desfiles indígenas
com seus instrumentos de sopro. Em Goiás acontece dança semelhante com o nome
de Dança dos Tapuias. Em diversos
Estados, principalmente em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, aparecem
os Caiapós, que é um bailado popular de
influência indígena com variações de acordo com a localidade.
Este
bailado já era mencionado em São Paulo em 1793 e 1794 pelos festejos do
nascimento da princesa da Beira, herdeira do Trono de Portugal. Nestas citações
do século XVIII relata-se o uso de buzinas, vestimentas de penas de peru e
palhas. Este folguedo seria uma imitação
dos índios caiapós do sul, que
dominavam os sertões na época dos bandeirantes, suas tribos situavam-se entre
as cabeceiras do Araguaia e a bacia superior do rio Paraná. Os caiapós do norte
vivem até hoje na região entre o Araguaia e o Xingu no norte do rio
Topirapé. Os primeiros
desbravadores (e escravizadores de
índios) encantaram-se com os cânticos e
danças dos caiapós do sul, a tal ponto que a
encenavam na vila de Piratininga e localidades adjacentes.
Existem algumas diferenças quanto a encenação de uma para
outra localidade, em algumas existem um
canto em tupi (nheengatú), em outras em português e em outras não há mais canto
ou diálogo. Uma grande parte dos caiapós apresentam-se com uma ou duas meninas chamadas de bugrinhas,
cunhatãs ou cunhãs, as quais são raptadas por um homem branco e quando
encontradas é realizada a dança comemorativa. Em nossa região, principalmente
em Piracaia e Joanópolis a encenação se
dá em torno da doença (e morte) do
curumi (chamado de macuru, bacuru ou bucuru). Os caiapós chegam alegres e
festivos, após a doença e morte de Macuru, entristecem-se, deitam no chão e
lamentam o acontecido. Em seguida o pajé faz um ritual mágico, com muitos
gestos, palavras e pólvora, que após acesa traz à vida o pequeno Macuru, todos
levantam-se e comemoram dançando o
resultado positivo da pajelança.
Em alguns casos a figura de
cacique-pajé (Tuxaua-pajé) é divida em dois personagens, o cacique que comanda
o grupo, pai de Macuru e o altivo e orgulhoso pajé que faz a cura (caso de
Joanópolis). Em outros o cacique possui a dupla função de líder e pajé, sendo o
Macuru filho de uma das mulheres da
tribo (exemplo Piracaia). Neste último, há algumas décadas, como as mulheres
não participavam da dança um dos
elementos vestia-se como mulher e mãe do referido curumi.
Os
caiapós fazem-se acompanhar de variados e variantes instrumentos,
caixas-de-guerra, tabuinhas, reco-reco, cuíca (puita), tambu, pandeiro e
aricongo, em alguns casos queixadas de vacas e burros, sendo constante a
presença da buzina feita de chifres. Trazem lanças, arcos, flechas e outros
utensílios enfeitados.
Desta
forma, este folguedo é uma lembrança encenada
a céu aberto sobre os maravilhosos rituais de pajelança de nossos ancestrais, não apenas
uma alusão aos caiapós do sul, mas também, a toda nação indígena, inclusive aquelas que
residiram nestas localidades (os guarús ou guarulhos e outros). Que estes rituais, apesar de simbólicos,
exorcizem nossas cidades e tragam
fertilidade, cura e energias positivas para todos nós.
Valter
Cassalho