quarta-feira, 13 de setembro de 2017

O CORPO SECO

O CORPO SECO


Zeca Honório era uma cria ruim, pior que carne de pescoço, com ele ninguém lidava.  Quando criança  contava-se que fazia todo tipo de maldade, tanto com animais quanto com pessoas. Sua mãe dona Assunta, era uma coitada, viúva, com cinco filhos, tinha no caçula o tal do Zeca a personificação da ruindade. Porém,  Zeca cresceu e casou-se com Maria Inocência, uma pobre e ignorante mulher que morreu dois anos depois, num formidável pontapé na barriga prenhe que o marido desferiu num de seus ataques de cólera. Morta a mulher, voltou a residir com a sofrida mãe, a qual como sempre socorria o Zequinha, todavia, suas crises e ruindades aumentavam, até que um dia por qualquer motivo, chegava a espancar a pobre velha, proferindo uma série de blasfêmias aos céus. Dona Assunta de desgosto morreu logo e passado um ano o tal do Zeca, aos quarenta e imprestáveis anos foi fulminado por um ataque cardíaco.
Passado alguns meses, diziam que o coveiro teve que enterrar de novo o Zeca Honório, pois misteriosamente o corpo estava exposto e o que é pior intacto. Passou um ano, a terra rachou e para surpresa do coveiro o corpo outra vez subira a superfície, apesar das roupas corroídas  o corpo estava inteiro e os cabelos e as unhas tinham crescido.
O coveiro, muito esperto, entendeu que Zeca Honório pelo fato de ter batido na mãe e outras maldades mais, virara Corpo Seco, o qual tanto a terra, quanto os vermes o repudiavam.
Escondeu o corpo em outra cova e ladino como ele só, contou o caso a uma benzedeira e esta informou que para acabar com a maldição seria necessário a mãe ou madrinha de batismo do defunto dar uma surra com vara benta no dito cujo. Como ambas eram falecidas, tornava-se impossível acabar com a maldição, todavia, seria necessário enviar o corpo para Pico do Selado, onde as almas penadas pagam penitência.
Na primeira tempestade noturna que se formou, o coveiro, a benzedeira e mais um ajudante pegaram uma rede, passaram uma taquara (bangüê), recolheram o corpo e foram para a igreja, lá passaram um conto no vigário, ou seja, informaram que era uma mulher que tinha falecido de doença contagiosa e necessitava ser enterrada o quanto antes, o padre, já de idade avançada, cansado, meio míope, ao clarão de vela, mal olhou o cadáver e começou a encomendar o corpo. Conforme rezava, o vento assobiava forte, raios e trovões pareciam aumentar a cada instante; a cada sinal da cruz um raio iluminava e estremecia a igreja. Terminada a reza, o trio dirigiu-se para fora e deixaram o corpo no chão e este sacudido pelo forte vento começou a balançar, a flutuar num sobe e desce tétrico e horripilante. Os três mal respiravam e com os olhos arregalados, viram o corpo se desvencilhar da rede, os cabelos esvoaçantes, os clarões dos relâmpagos e de repente um estouro (buummm!) e num clarão faiscante o corpo foi em direção ao Pico do Selado, deixando um rastro vermelho no céu.
Assim termina a história de Zeca Honório, cuja alma como tantas outras, segundo o nosso folclore, está aprisionado no Pico do Selado, local este que foi muito temido até décadas atrás, deste local se ouviam as mais variadas histórias, possíveis e impossíveis. (Valter Cassalho)
  
Trovas do Morro

No morro do segredo,
Numa mata de arvoredo
Há o grande rochedo
que a todos mete medo.

Falam das almas penadas,
que para lá foram seladas,
Urram e passam atreladas,
Em noites frias estreladas.

E'  espirito do homem pagão
Que morreu sem extrema-unção,
Foi errante, maldoso, ladrão.
Avarento até no pão.

Nem a terra quer o corpo,
Não tá vivo, nem tá morto,
Fedorento como um porco,
Fica seco no seu horto.

Quando vem a ventania,
E levado na agonia,
O vento forte assobia,
Valei-me! Ave-Maria!

Vai ficar aprisionado,
Nas garras de um diabo,
Sendo sempre açoitado,
Lá no Pico do Selado.

Na noite de lua cheia,
O morro todo clareia,
O morto-vivo passeia,
Pende o corpo, cambaleia.

Ai meu Deus, Ave-Maria!
O que é essa gritaria?
São as almas da morraria,
Que te fazem  zombaria.

A história é verdadeira,
Contada por derradeira
E mais velha rezadeira,
Da serra da Mantiqueira.

Se fores muito ousado,
Se fazendo arrogado,
Então suba o Selado,
E pergunte ao penado