sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013



A lenda de Ituí


Era noite. No manto negro do céu as estrelas eram engolidas por algumas nuvens, soprava o vento como um prenúncio de tempestade. No alto da montanha uma fogueira crepitante e um velho bugre cantava aos espíritos de seus ancestrais a lenda da formação de sua terra. Interrompido por um pequeno curumim que trazia mais lenha a fogueira, o velho começou a falar: “-Num tempo distante ao nosso, mesmo antes de nossos ancestrais chegarem, existiu uma raça de gigantes.  Foi no tempo da ordenação das estrelas e do feitio do brilho da lua.  Esses seres eram fantásticos, e entre eles se destacava o bravo guerreiro Itaguará, o qual defendia este torrão com todas as suas forças, sua voz era o trovão que fazia estremecer toda a terra, era conhecido como o Senhor do Poente, onde se deitava o sol e abria-se a cortina da noite. Voava ele numa gigantesca borboleta bordada com os raios do sol.

Neste período nasceu da grande Mãe-Terra a linda Ituí, rainha das espumas das águas, senhora dos contornos da terra. Ituí inicia seu trabalho cortando vales e montanhas, decorando pedras, deixando pelo seu caminho um rastro de ouro e de vida.  Todas as noites Ituí cantava a margem dos rios, seguida de lindas Iaras, distribuindo presentes do fundo da Terra às Mães d’Ouro.  Porém um dia Ituí vendo a estrela da manhã resolveu cantar para a mesma. Passava neste momento o forte Itaguará, que ficou encantado com a beleza do canto e resolveu verificar de onde vinha. Quando olhou para a bela Ituí, ficou perplexo por tanta beleza, brilho e esplendor. Ituí assustada, mas também fascinada,  mergulhou nas entranhas da Terra e lá permaneceu até a lua cheia.  Itaguará todos os dias sobrevoava o local a sua procura, porém nem as Iaras, nem as Mães d’Ouro sabiam de Ituí. 

Durante a lua cheia, Itaguará ouviu o lindo canto de Ituí e envolto num manto dourado como Mãe d’Ouro aproximou-se de Ituí e pode ouvir por horas o seu canto. Despindo-se pediu a Ituí que não fugisse e ela pode contemplar a beleza do corpo de Itaguará. Nasce daí um grande amor entre os dois e ambos passam a voar durante o dia fazendo a chuva e à  noite deslizavam pelos morros  criando o rumor das cachoeiras.

Porém, Tataitá, o Senhor da Pedra do Fogo, guardião do Reino das Trevas, dos Vendavais  e dos Feiticeiros, conhece a Ituí e por ela também se apaixona.  Mas, Ituí nada queria com Tataitá, e este enraivecido trouxe a grande tempestade, e derrubou Itaguará  e arrebatou Ituí para a Gruta Encantada.

Desesperado, Itaguará procurou sua amada por todos os cantos, temendo que Tataitá tivesse levado Ituí para o reino das Trevas, de onde ninguém pode sair. Inconformado, procurou o grande feiticeiro Karmoitá o sentinela da morada do sol. Karmoitá informou que Ituí estava na Gruta Encantada. Ambos então partiram para a Gruta Encantada, onde mora Itatinga, o homem da Pedra Branca, e este informou que aquele que ali entrasse não poderia sair sem deixar uma parte de seu ser, e somente Tataitá poderia fazer a oferenda, pois fora ele mesmo que a conduziu com ventos ao fundo da Gruta.

Irado,  Itaguará foi a busca de Tataitá e ambos iniciaram uma grande luta da qual Itaguará foi o vencedor. Forçado, Tataitá foi a Gruta Encantada para soltar Ituí, mas como vingança ofereceu a Itatinga o coração da mesma. Não podendo mais amar, Ituí foi para o alto do Morro e se jogou num precipício. Itaguará desesperado partiu para o poente onde se deitou esperando a morte ao lado da borboleta gigante.
Karmoitá convocou os poderes de Tupã, o grande deus, e este puniu Tataitá a ficar Selado na grande Pedra que guarda o reino dos Mortos, e, sabendo que os gigantes não devem morrer, transformou Ituí na grande Cachoeira que incessantemente vasculha a terra em busca de seu coração.  Em seguida, adormeceu Itaguará  e a grande borboleta, cobrindo-os  com o manto da Mantiqueira, surgindo assim o Gigante Adormecido e o Vale da Borboleta, de onde pode ser visto sua amada, até o dia em que Itatinga devolva o  coração de Ituí.
Karmoitá foi para sua morada, de onde ouve o canto triste e monótono da Cachoeira e o bater do coração de Ituí que vive cheio de saudades na Gruta Encantada”.


Valter Cassalho- 12/03/1997

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