quarta-feira, 11 de julho de 2012


FALECEU NOSSA PRIMEIRA PRIMEIRA DAMA

O que segue é a noticia da morte da esposa do  nosso primeiro INTENDENTE MUNICIPAL, o que equivale a “prefeito”  - administrador,  na época que as Câmaras eram praticamente no sistema parlamentar.  Uma história triste que abalou o recente município de São João do Curralinho (desmembrado de Piracaia em 17/8/1895 e a primeira câmara e intendência empossados em 21/8/1896). O discurso é triste porém lindo e mantive o português da época. Era mãe da saudosa professora Adilia e do grande educador brasileiro Almeida Junior. Irmã de Bruna Caparica Filha.

Matéria p/o Munícipe – manuscrito de 08-11-1896
D. Otilia Caparica de Almeida

No dia 28 do pretérito finou-se nesta vila, as 08 1/2 horas da noite, esta virtuosa  filha do respeitável ancião sr. Anselmo Gonçalves Caparica, e esposa do prestante cidadão Antonio Ferreira de  Almeida, digno intendente municipal e proprietário das oficinas tipográficas em que se publica esta folha.
A jovem e distinta senhora, que apenas contava 21 anos, sucumbiu a uma síncope cardíaca conseqüente a um parto laborioso, orfando a três inocentes crianças, uma das quaes com algumas horas de vida, e enlutando o lar querido, os corações de seus extremosos paes e a toda esta população que a estimava justamente.
Logo que se divulgou a infausta noticia muitas pessoas, dolorosamente surpreendidas pelo inesperado acontecimento e revelando a profunda mágoa de que todos estavam possuídos acorreram à casa, onde ele se dera, testemunhando assim a verdadeira, a respeitosa estima em que era por todos acatada – Dª Otilia.
Realmente, foi sentidíssima sua morte, já porque ninguém a poderá esperar, já por ser a ilustre extinta filha e esposa de cidadãos muito considerados entre nós.
Ao seu saimento que teve logar no dia 29 as 4 horas da tarde, concorreram quasi toda a população desta vila e muitos cavalheiros do nosso município. Foi um dos enterros mais concorridos que se tem dado entre nós.
Dentre o séquito muitas pessoas vestiam opas e quasi todas pegaram nas alças do caixão, que eram disputadas vivamente pelos amigos e parentes. O rev. vigário de Santo Antonio fez as cerimonias religiosas na igreja e no cemitério. Ali, ao serem encerrados em seu último jazigo os restos mortaes da desditosa senhora, foi lida pelo professor público desta localidade o discurso que abaixo transcrevemos e que foi ouvido com o maior silêncio pelos circunstantes.
Sabemos que, em sinal de grande pesar pelo falecimento de Dª Otilia, suspendeu-se a aula pública no dia 29, e que em sessão do dia 31 e por indicação do sr. vereador Domingos Nogueira, a Câmara Municipal, resolveu mandar inserir em uma ata um voto de profundo  pesar por tão triste passamento e enviar um oficio de suas condolências a seu colega sr. Antonio Ferreira de Almeida, tão rijamente ferido por esse golpe.
Também sabemos que no dia 09, as 08 horas será rezada aqui uma missa pelo descanso eterno de Dª Otilia.
Eis o discurso a que acima nos referimos:


Senhores! Fatalidade atroz que a mente esmaga. Tristíssima contingência  esta que eterna, incessantemente nos fere e nos enluta. Suprema, inexorável lei, a que não há fuga, mais fria do que a lamina dum punhal, mais fera do que uma hyena faminta, mais destruidora do que a erupção dos vulcões. Morte, serás a vida? Porque te coube na partilha dos destinos a missão terrível, abominável de estrangular as existências? Quem te confiou, oh anjo negro da destruição, o  poder  nefasto e cruel de gelar nos corações a seiva da vida, de selar com teu stygma de imobilidade um turbilhão de vida estuante.
Parca do aniquilamento, cujas azas fatídicas e negras pousam nesta hora sobre o esquife recém fechado, como a repugnante larva sobre uma flor, não te condóes de ceifares com teu alvião sedento uma vida feliz, apenas no seu arrebol!
Não te comovem no teu contínuo mister de devastação o luto que espalhas, a dor que aprofundas, a orfandade que semeias, em derredor de tuas vítimas inermes?
Senhores – Eis aqui na muda expressão deste ataúde, que contemplamos no recolhimento do silencio, a incógnita do problema irredutível: a vida e a morte! To be or no to be, eis o dilema, indecifrável ante o qual a sciencia humana, com toda a sua vaidade, capitula impotente. Eis aqui a história interminável da humanidade de ontem, de hoje e de amanhã.
A vida é uma ponte suspensa no espaço, entre dous  pontos extremos: o berço e o túmulo; um berço da vida, outro berço da morte.  Ainda mesmo que não no-lo afiz

Mas senhores, não pode se limitar a isto apenas, a este ser e não ser – a vida toda. Há,  mercê  do Onisciente  Creador deste Universo alguma cousa intangível, imorredoura e superior que escapa a essa lei suprema da morte. Mas se a ti, único reduto inexpugnável que possuímos em meio ao vendaval dos sofrimentos, bastaria a razão, calma e indagadora para nos dizer a consciência. Sim, a vida não termina, ali naquele jazigo, estreito demais para contel-a, extende-se além pelo infinito, muito além, nos páramos ilimitados do éter!
A alma, imperecível,  imigra para verdadeira pátria, é andorinha forasteira que, passado o inverno extenue o vôo em busca das plagas saudosas do seu país. É o país das almas boas, formadas de virtudes e de bençans, como a que anunciou aqueles despojos respeitados, é a pátria do amor puríssimo, da perene hyperbole de luz é a límpida mansão dos justos, em que ela, dona Otilia, ora sorri no inefável gozo da suprema ventura!
Foi um anjo, senhores,  anjo do lar querido, que ela encheu de encantos e de amor, estrema de carinhos, cheia de acrisoladas virtudes que, soltando as azas, partiu em demanda das plagas cérulas, deixando, lá muito ao longe, bem distante, saudosíssimos e acabrunhados de dores, o esposo amado e fiel, os pais extremosíssimos e queridos, filhinhos inocentes e adorados – aves ainda implumes, que careciam do seu calor; e irmãos estremecidos, irmãos pelo sangue e pelo coração, que, todos prantearam desolados este prematuro acontecimento que lhes arrebatou de improviso, com aquelas 21 primaveras de vida, a esposa, a filha, a mãe, a irmã.
Permitis, que eu repita como Castro Alves: Fatalidade atroz que a (...)
E nós senhores, que aqui viemos prestar à virtuosa senhora as nossas últimas e tristes homenagens, ante a majestade do túmulo que se vae fechar sobre seu cadáver, dizemos:
Silencio que ela está dormindo no seio da Divindade, embalada pelos cânticos celestes, iluminada pelos reflexos puríssimos de suas próprias virtudes!

(foto de dona Otilia Caparica) (foto2 - Adilia F. Almeida e seu irmão Almeida Junior)

Nenhum comentário:

Postar um comentário