QUEM PAGA O PATO?
Tão conhecido
no mundo, quer como selvagem ou doméstico, o pato vive pagando o pato dos
humanos. Pobre animal, que apesar da carne saborosa empresta seu nome como
adjetivo a pessoas tolas ou más jogadoras.
Pode parecer
patético, mas o pato possui seus mistérios, principalmente depois de morto. No
universo caipira o pato é saboreado com arroz ou bem assado, mas matar um pato
demanda alguns rituais curiosos. Para um
pato ficar bom, tem que ser cruzado, ou seja, ter as penas das pontas das asas
entrelaçadas quando fechadas; deve-se fechar o bicho dias antes e alimentá-lo
somente com milho, evitando assim um possível gosto de barro ou cheiro forte em
sua carne. Para destroncá-lo não é tarefa tão simples como fazem com os
frangos, tem que colocar a cabeça no chão sendo apertado por um cabo de
vassoura ou taquara e puxar com firmeza seu tronco e que não tenha ninguém com
dó por perto, senão o bicho demora a morrer.
Morto o pato, deve-se pegar uma vassoura e varrer suas penas ao contrário,
o bicho é rechonchudo e entrelaçado de penachos macios, tanto que muitos a
aproveitam para bons travesseiros.
Varrido o pato, lava-se as penas ao contrário com água fria e depois o
colocam na água fervente, vai para a peneira e começa o trabalho de despenar o
pato. Para isso, silêncio absoluto, pois não se pode nem conversar e muito
menos rir neste instante, senão o bicho fica duro e não despena, ficando cheio
de penachinhos que mesmo depois de retirados precisam ser sapecados no fogo. Somente depois desse ritual o mesmo estará
pronto para ser lidado, ferventado, temperado, cozido ou assado de acordo com o
gosto de cada um. Talvez tudo isso seja por vingança de tanto que usam o nome
do infeliz animal.
O dito pato é
gracioso na água e muito desajeitado na terra e com isso mulheres que andam de
forma desajeitada, muito das vezes por serem gordas recebem o nome de patas
chocas, homem que sai com mulher e não consegue nada, leva o nome de pato,
aquele novato que entra no jogo também é pato, quem sai com muita gente para
comer e paga conta, diz-se que está pagando o pato. Tem até música ironizando o
pobre coitado, o famoso Pato Pateta (Vinicius de Moraes e Toquinho).
Quando a
cuidadosa pata põe seus ovos, também é discriminada pois se referem aos ditos
ovos como “ovo de pato” (como se o macho pusesse ovos). Alguém que seja fanho
chamam de qüem-qüem, já alusivo ao som emitido pelo pobre pato. Nos contos
infantis fazem alusão ao patinho feio, e este serve ainda para designar muita
gente. Se o sujeito mancar chama de pato manco, se o pé for feio demais dizem
pé-de-pato, se gostar muito de água afirmam: -é um pato na lagoa. De acordo com
pesquisa de Maria do Rosário de Souza Tavares de Lima (livro Lobisomem
Assombração e realidade – 1983) as bruxas transformam-se em patas, roubam
crianças e procuram bebidas alcoólicas para embriagar-se.
Não faz muito
tempo que os tais patos quando vinham a ser vendidos na cidade por defecarem
muito não vinham em jacás, mas sim carregados por duas pessoas, sendo apeados e
postos de cabeça para baixo no chamado “varal de pato”.
Patético ou não, alguém tinha que pagar o pato desta
crônica, ainda bem que foi o pato, que discriminado ou não, continua sendo um
saboroso prato em nossas mesas.
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