terça-feira, 29 de outubro de 2013



QUEM PAGA O PATO?

Tão conhecido no mundo, quer como selvagem ou doméstico, o pato vive pagando o pato dos humanos. Pobre animal, que apesar da carne saborosa empresta seu nome como adjetivo a pessoas tolas ou más jogadoras.
Pode parecer patético, mas o pato possui seus mistérios, principalmente depois de morto. No universo caipira o pato é saboreado com arroz ou bem assado, mas matar um pato demanda alguns rituais curiosos.  Para um pato ficar bom, tem que ser cruzado, ou seja, ter as penas das pontas das asas entrelaçadas quando fechadas; deve-se fechar o bicho dias antes e alimentá-lo somente com milho, evitando assim um possível gosto de barro ou cheiro forte em sua carne. Para destroncá-lo não é tarefa tão simples como fazem com os frangos, tem que colocar a cabeça no chão sendo apertado por um cabo de vassoura ou taquara e puxar com firmeza seu tronco e que não tenha ninguém com dó por perto, senão o bicho demora a morrer.  Morto o pato, deve-se pegar uma vassoura e varrer suas penas ao contrário, o bicho é rechonchudo e entrelaçado de penachos macios, tanto que muitos a aproveitam para bons travesseiros.  Varrido o pato, lava-se as penas ao contrário com água fria e depois o colocam na água fervente, vai para a peneira e começa o trabalho de despenar o pato. Para isso, silêncio absoluto, pois não se pode nem conversar e muito menos rir neste instante, senão o bicho fica duro e não despena, ficando cheio de penachinhos que mesmo depois de retirados precisam ser sapecados no fogo.  Somente depois desse ritual o mesmo estará pronto para ser lidado, ferventado, temperado, cozido ou assado de acordo com o gosto de cada um. Talvez tudo isso seja por vingança de tanto que usam o nome do infeliz animal.
O dito pato é gracioso na água e muito desajeitado na terra e com isso mulheres que andam de forma desajeitada, muito das vezes por serem gordas recebem o nome de patas chocas, homem que sai com mulher e não consegue nada, leva o nome de pato, aquele novato que entra no jogo também é pato, quem sai com muita gente para comer e paga conta, diz-se que está pagando o pato. Tem até música ironizando o pobre coitado, o famoso Pato Pateta (Vinicius de Moraes e Toquinho).
Quando a cuidadosa pata põe seus ovos, também é discriminada pois se referem aos ditos ovos como “ovo de pato” (como se o macho pusesse ovos). Alguém que seja fanho chamam de qüem-qüem, já alusivo ao som emitido pelo pobre pato. Nos contos infantis fazem alusão ao patinho feio, e este serve ainda para designar muita gente. Se o sujeito mancar chama de pato manco, se o pé for feio demais dizem pé-de-pato, se gostar muito de água afirmam: -é um pato na lagoa. De acordo com pesquisa de Maria do Rosário de Souza Tavares de Lima (livro Lobisomem Assombração e realidade – 1983) as bruxas transformam-se em patas, roubam crianças e procuram bebidas alcoólicas para embriagar-se.
Não faz muito tempo que os tais patos quando vinham a ser vendidos na cidade por defecarem muito não vinham em jacás, mas sim carregados por duas pessoas, sendo apeados e postos de cabeça para baixo no chamado “varal de pato”.
Patético ou não, alguém tinha que pagar o pato desta crônica, ainda bem que foi o pato, que discriminado ou não, continua sendo um saboroso prato em nossas mesas.

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